sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Cabeceira

A blusa semi aberta e atirada
sobre o sofá,
(nunca soubemos esperar),
a meia taça derramada,
a luz que ficou acesa na sala,
e é preciso voltar
para fazer a música parar
(já faz tanto tempo).

Eu não quero sair daqui
nem quando o sol
passar pela cortina
(sempre esquecemos de fechar).
Não quero levantar o lençol,
por nenhuma outra razão que não
seja te roubar um beijo de bom dia
(e pedir um sorriso de resgate).

Decreta que amanhã é feriado,
dia de viver como você sonha
(e isso dá muito trabalho).
Eu vou passar as horas
brincando com teu cabelo
mergulhando em teu cheiro
como quem se enreda num livro.
(teu corpo é o meu livro favorito).

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Outro fim

Hoje te devolvo as chaves
e fecho mais um capítulo.

Sobre nada tenho tanta certeza,
mas acredito na liberdade, no amor
e na beleza dos gestos impulsivos.

Distribuo delícias e dores
em doses generosas,
durmo sobre cacos de vidro
quando não tenho insônia.

Talvez eu quisesse um outro fim.
Enquanto eu caio,
estouram fogos de artifício
lindos e indiferentes.

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Terra

Bebi absinto
e quero mera
água com açúcar.
Estive em todos os picos.
Em todos os vales.
Sei bem que os deuses da intensidade
são igualmente os demônios da instabilidade.
Fui apresentado a todos, apertei a mão de cada um
olhando nos olhos.
Minha recusa agora não é covardia.
Certamente banquei apostas
em mesas das quais você não se aproximaria.
Entre o céu e o inferno,
escolhi a terra.
Só isso.
Tudo.

Incoerência

Não sei o que acontece,
o que era para ser paixão, arrefece.

meu texto perdeu a coerência
com a minha experiência.

era para eu estar feliz,
mas o que escrevo me contradiz.

meus poemas para você saem como água
derramando ressentimento e mágoa.

e eu ainda resisto em fechar a ferida.
e eu ainda insisto em ser parte da sua vida

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Curvas

O orvalho sobre a grama
anuncia a hora de florescer.
Ainda é de manhã,
mas nunca é tarde pra aprender
lição ou novo ofício.
Agora eu sei que preciso dar vazão
à corrente do rio.
Eu sou Dionísio,
sou Eros e sou Baco.
Sou barco em plena corredeira,
sou alma nua banhada em cachoeira,
rolimã descendo a ladeira.

Eu que sempre fui covarde
não tenho mais medo
de encarar dona desilusão,
escancaro o peito e corro pro abraço.
O meu mapa tem outro traço,
meu caminho eu mesmo faço.
Antes eu usava o pensamento
para não sentir dor,
agora danço sobre as dunas,
sobre as dúvidas,
e pavimento a estrada
sabendo fazer as curvas.

Eterno

Nunca diariamente.
Mas serei seu pra sempre.

domingo, 18 de outubro de 2009

Mono

Monografia
é a tese
monogamia,
o tesão.
Monarquia
é rei e rainha
monólogo
eu falo sozinha.
Mas o que eu grito
em dolby-stereo surround
só escutam
em mono.
E ninguém faz nada.

Instabilidade

Súbito em pleno vôo
saco a caneta escrita fina
e como se fosse estilete
faço inventário das palavras.
Eu não leio livros pelas histórias.
Garimpo frases pepitas
perdidas, vagalumes, as tais
agulhas em palheiros.
Penso muito mais veloz
do que escrevo,
correnteza de rio sem margens,
o presente nunca nos basta.
Há uma imperiosa necessidade,
compulsiva, de não perder.
De não te perder.
Mas já foi.

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Meu mestre mandou

Doces eram os olhos da assassina,
palavras, as armas do crime.
Em seguida, o silêncio,
o abismo.
Caí no céu,
galguei o inferno.
O coração é um músculo mexicano
vertendo cada vivência
em ópera.
Escarlates veludos
desnudam o desejo.
Um beijo pode não ser a verdade
mas é o que queríamos que fosse.
O bem e o mal caminham de mão dadas,
fiz amor com ambos,
matei os dois
e caminho só.
Sou re(s)to.

Tom

Então ela me dedicou uma canção
no mesmo tom
de melancolia bela
no fundo dos olhos.

Estamos juntos
em nosso segredo
cuidado entre lábios
e mãos delicadas.


Forte e diferente
da vida à luz do dia,
é um certo tipo de amor,
e o amor nunca erra.

Indisposto

Eu devia ser como Bukowski.
Ninguém me entende,
talvez nem eu, nem Deus.
Não puxe assunto,
eu não estou disposto.
Não sou amigável,
não sou amistoso.
Talvez você perceba alguma animosidade
no meu rosto,
mas eu apenas não me importo com você.
Não minto.
Ensinaram que é feio o desprezo,
mas é melhor que o ódio
e é tudo o que eu sinto.

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Bem aí

Eu sei que você está aí esta noite.
Sei que você vem todas as noites.
Gosto de ter você do outro lado de mim.

Mas por que você não vem de dia
e abre a porta?
Porque aí seria o fim.

Deixa entre nós o muro do poema.
O desejo morto como pássaro na mão.
Teu silêncio sempre diz que é melhor assim.