domingo, 30 de dezembro de 2012

Inércia Morna


A lua cheia clareia a noite
em que mortes, nascimentos,
separações, casamentos,
brigas, trepadas
seguem acontecendo como se
outro mundo não houvesse.
Ilumina a varanda
e por um instante
eu me sinto em um quadro de Edward Hopper.
A mesma solidão, o mesmo vazio.

Mas na inércia morna desta noite
o que existe mesmo é a vontade
de ser outro e estar com você.
Eu só tenho esta vida e falhei
na poética missão
de transformar o meu lixo em arte.
Ainda estão aqui ao meu lado
o copo de Cinzano que meu pai esvaziou
e sonhos batidos como cinzas
do cigarro no canto da minha boca.

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Três Duras Verdades Sobre o Amor

A paixão é muito melhor do que o amor.
Amor é mais problema do que solução.
Amor fica melhor quando acaba.

sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Boas & más

Meus pais morreram
Meus filhos não nascerão
Estou verticalmente só.
(Ser adulto é ser sozinho)
Mas as notícias não param aí,
Isto tudo acaba.
As notícias não param.

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

A vida é uma coleção de hojes



Amor pra sempre?
Não tenho paciência.
Quero tão somente
Amor pra hoje
Que tenho urgência.
A vida é uma coleção de hojes.

quarta-feira, 7 de novembro de 2012

O Zero Exato

Esqueci o poema desta tarde,
Esqueci o sonho de ontem,
Esqueci também, me desculpe,
Do seu nome.


Desisti dos planos para o futuro,
De modo que sou agora
Nau desgovernada,
Nada demais.


Nada de menos,
Apenas o exato zero
Mero retrato
Que não serve nem de lembrança.

sábado, 6 de outubro de 2012

Constatação


Fumando um mentolado na varanda na manhã ensolarada de sábado me ocorre que

não tenho tempo, nem dinheiro, nem capacidade pra tudo que quero.

A vida é um guepardo inalcançável.

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Intercontinental


ainda que houvesse um oceano
e o fuso que te lança horas
à frente no tempo que ainda não vivi,
o meu estar só não seria tanto.

aqui, onde a vida grita pelos cantos
da casa, resisto em bater asas
rumo a um não sei onde
que é tão longe e tão perto.

você está à distância de um toque,
mas seu corpo é outro continente

tão longe e incerto
como se fosse vasto o mundo.

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Coisas Tão Banais





Saudade não é a falta que alguém faz,
É quando sinto sua presença
E a vontade de dizer coisas banais:
Hoje está chovendo aqui,
Você é meu café a cada manhã,
O cobertor nos pés nas noites de frio,
O vinho, a risada frouxa,
O filme em reprise na TV,
O guarda-chuvas compartilhado,
O cotidiano em graça renovada.
O bom e o ruim do dito normal:
Os planos de vida,
Os problemas no trabalho,
A viagem de férias,
A decoração da casa,
A roupa nova que você não precisava,
Mas queria tanto.

sábado, 23 de junho de 2012

Câmbio




Troquei o câmbio automático
Pelo manual.
A vida não está nos manuais,
Nem nos trocadilhos, nem nas frases de efeito,
Nem nos planos feitos – sempre,
Sempre tão perfeitos.
A vida está na surpresa, no improviso,
está no detalhe, na delicadeza, no sorriso.
Está no risco do amor e do defeito.
A vida está no poema.
Está em ser sujeito.  

domingo, 17 de junho de 2012

Zuniga





No preciso instante em que a vi
amei-a com febre e fé na mentira
de que só pode haver uma.
Uma única, e nenhuma
outra nesta terra arrasada
por tua invasão moura.

Eu, teu vassalo, senhor, servo,

dono, escravo, rei, homem.
Inteiro teu,



dos olhos com tochas,
à contradição expressa
na tatuagem permanente

de uma borboleta que sempre se transforma

e, fugidia, me convida em desafio

e quase deboche:

"pega com teus olhos.”

Só os amores platônicos têm a mínima

chance de serem eternos.

terça-feira, 12 de junho de 2012

Poema da Conjugação

O que há de imperfeito
no mais que perfeito
é que ele é pretérito.
Não há futuro no pretérito.
Não há futuro. Ponto.
Há tão somente o presente,
mero indicativo.

segunda-feira, 14 de maio de 2012

Prisão



O primado da razão
já dura décadas.
Mas esta noite, me senti vivo outra vez.
E tudo o que eu quero é dançar
salsa com você, meu amor.
Antes que seja tarde.
Como se já não fosse.
Não é.

quinta-feira, 26 de abril de 2012

Até que esta dor

Não me dêem morfina
nem chocolate
nem crédito sem limite.
Nenhum medicamento
anestesia ou ilusão..
Não quero nem o abrigo
de um bom livro
ou a música que chama pra dançar.
Nem mesmo um afago,
um abraço solidário,
nenhuma palavra de conforto.
Me dê o silêncio.
A solidão.
Vou ficar exatamente aqui
até esta dor
virar menta.

quarta-feira, 18 de abril de 2012

Estratégia


Avancei com meu cavalo
você moveu seu bispo
a rainha está morta –
deus salve a rainha –
o rei está nu.
Xeque-mate.
Começamos a jogar.
Nosso amor ficou falso.

terça-feira, 20 de março de 2012

navegar é preciso

o mar impreciso deixou
única folha trazida, imprevista,
pousada mansa sobre o concreto
sugerindo sorriso.
poesia e precisão.

segunda-feira, 19 de março de 2012

Vastidão


Abri a janela e vi o horizonte tão extenso.
Quis pegar todas as estradas –
a começar por qualquer uma –
e correr.
Conhecer tudo.
Bobagem.

Vasto mesmo é o mundo que guardo em mim.
Não o mundo da imaginação por onde
este vinho e este cigarro me fazem viajar.
A imaginação é pequena. Não oferece riscos.

Quero beber até a última gota do cálice do amor
E me dissolver, alma e ossos, até não ser.

E ser então de novo.
Uno e único.

Livre é quem ama até o fim
e se torna capaz de ficar só
para o que der e vier.

Por enquanto eu não sou capaz de amar.
Abri a janela.

quinta-feira, 1 de março de 2012

Roteiro


Tenho exigido muito de você
que permanece ao meu lado à mesa do café,
na cama, durante o jantar,
ciente, paciente, silente.
Todos os dias, tenho sutilmente
declarado meu desamor
ou, melhor, desdeclarado meu amor.
Que antes tanto havia
ou era algo próximo a isso
o que eu sentia.
Agora, preciso buscar o que perdi
antes mesmo de você.
Tenho sido crítico mordaz
do filme da minha vida
muito mais que roteirista ou diretor.
Sou turista fazendo fotos
de palavras – quem vale mil de quem? –
E sou prisioneiro do eterno ir.

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

A minha verdade

Estamos todos soltos no labirinto do Minotauro.
Soltos não.
Despejados aqui para a cruel diversão de deus ou do destino,
ratos em seu laboratório.
A cada paixão, tenho a miragem de uma janela,
ilusão de esperança e liberdade.
É apenas a hora de sol,
o passeio no pátio do cárcere.
Devo me amarrar à árvore no deserto
e, em silêncio, jejuar por luas,
até que brote a nascente da rocha.
A minha verdade.
Eu não sei fazer silêncio.
Calar o pensamento e soltar a voz
da intuição.
Eu venho tentando sentir o gozo
e a dor no corpo.
Mas é preciso navalhar abaixo da pele.
É preciso o rasgo.
A liberdade.
O que seja sentimento sempre renovado
e não o vício da emoção
repetida em doses mais fortes
em intervalos mais curtos.
Tudo que eu dei até hoje foi a minha vida.
Em vão.
Eu não vivi.
E jamais amei.

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

My way



Almoçarei sozinho aos domingos:
filé ao ponto para bem, com guarnição à francesa
e duas cervejas
no restaurante de sempre,
onde os garçons já me conhecem pelo nome.
Voltarei a pé para casa
e assistirei sem muito entusiasmo
ao jogo do Flamengo na TV.
Ou a algum filme no cinema perto,
se estiver disposto.
Mais tarde, lerei um pouco, navegarei
pela vida alheia nas redes sociais
e deitarei, depois de ouvir “My way”,
sem que o telefone tenha tocado sequer uma vez,
sem ter trocado palavra com ninguém
que não sejam os porteiros, os vendedores e os garçons.
E serão só eles que, em um domingo qualquer,
notarão que eu não fui mais.

sábado, 14 de janeiro de 2012

O dom da dor




Nem que eu deite a cabeça em seu colo
Nem que eu chore no seu ombro
Nem que você me dê seu sorriso mais lindo
Nem que você me abrace até estalar a coluna
Nem que você diga o quanto me ama
Nada pode diminuir esta solidão.


Nem que a casa esteja cheia de gente
Nem que a música esteja no máximo
Nem que a festa vá até de manhã
Nem que você me devore com a vontade
dos desejos urgentes
Nada pode diminuir esta solidão.


Nem o vento minuano refresca
o abafado desta noite avessa.
Hoje, a noite é não.
Completamente.
Sou o leão. Sou a jaula.
O domador. A dor.

Tudo que tenho feito




Seria mentira se
eu dissesse que não gosto
de despedidas.
A única que doeu de verdade
foi minha própria partida,
o dia em que eu calei,
mas sabia que me dizia
adeus.
Nunca mais fui eu.


A gente não foge de pessoas,
não evita situações,
a gente só foge de si,
como se esse encontro não fosse inevitável.
E agora que passei da metade da vida
não posso mais ser tão distante de mim.
Há tantos anos repito
a mesma ciranda insana,
o mesmo circo, o velho carrossel.

Eu nunca cresci ou construí
e agora estou tão cheio de nada.
Ainda que eu não consiga mais me enganar,
ouço forte o chamado da estrada.
Seria mentira se
eu dissesse que não gosto
de despedidas.
É tudo que tenho feito na vida.
Nunca me vi nos olhos de ninguém.

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Dogma


Aprenda
a minimizar suas vontades
reduza
seu tudo
ao essencial,
ao que couber
numa única mochila.
Desconsidere fronteiras,
e ganhe o mundo.
Deixe rastros –
despretensiosos como pegadas na areia –
nunca restos.
Descarte
a saudade e o arrependimento,
completamente inúteis
como a arte.
Sê todo, como escreveu o poeta,
e não parte.
Parta
e volte sempre
nu ante o espelho,
nu como te vejo.

Quando tudo tinha acabado


Ela não sabia o que dizer
e entrecortou o silêncio –
sua aflição, meu conforto - 
com as lâminas das palavras
de amor.