quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Faz isso

Me beija assim
Me molha na hora
Me liberta as feras
Me dobra as pernas
Me cubra com o corpo
Me invada as terras
Me mostra teu gosto
Me deixa teu gozo
E eu descanso no teu peito.

domingo, 27 de setembro de 2009

Todas as respostas

Oras erro as perguntas, oras as pessoas.
A verdade é que volta e meia embaço
meus olhos e tento revirar os seus.

Eu te pergunto se você me quer
porque sei que te quero,
e eu me pergunto se já não derramou
a água que seria o amor.

Todas as respostas encerram o risco.

Vírgula do tempo

Por acaso, o relógio do blog acusava
postagem precisamente às 00h00,
numa vírgula do tempo,
um hiato entre o ontem e o hoje.
E de quem é este dia?

Quem é o senhor do tempo,
Ou, ao menos, deste tempo?
O tempo é o senhor da razão
como alegou o político do passado
ainda votado no presente?

Quem é que tem tempo?
Para a poesia, de certo que ninguém.
De quem é o tempo?
O tempo é mesmo seu?

Ou é ele que te leva?
E o que você faz?
E quem você é?

E que horas você vem me ver?
E até quando você vai ficar?

A gente achou que era para sempre
Mas o amor dura três anos.

Perguntas demais para o meio da noite.
Perguntas demais para a meia-noite.

Esquece, era só um texto curto,
bilhete perdido da insônia,
era só um recado
na vírgula do tempo
na curva do vento
dessa madrugada no cerrado.

sábado, 19 de setembro de 2009

Os fatos

Rosa é uma mulher sem perfume.
Inocência faz sucesso tirando a roupa
para a platéia de solitários.
Jesus bate a carteira de otários.
O hábito não faz o monge,
nem o nome corresponde
à pessoa.

Esqueça essa matilha de palavras
que circundam os gestos.
Deixe que a atitude abra
as portas da verdade
e cubra as fendas do silêncio.
As mãos transformam a realidade,
a língua cria lendas.

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Qualquer dia

Cinzeiros cheios
garrafas vazias
copos usados
corpos largados
pra ressaca do novo dia.
Qual a novidade,
é a velha boemia,
não tenho mais idade.
Mas quem diria
ainda estou aqui
vivendo como gostaria
até chegar o dia.
Você me condena,
diz que é retrocesso,
eu to feliz assim na boemia,
aqui me tens de regresso.
Eu não sou seu,
eu não sou certo,
eu tento ser eu,
qualquer dia acerto.

Passou

O que foi amor
numa noite ferido
foi choro aflito.
Depois, foi grito,
soluço,
suspiro.
E então,
única lágrima
um pingo
uma gota
uma nota
no piano.
E passou,
como a chuva.
Um chuvisco.
Mero cisco.

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Você não precisa me dizer

O sim dos olhos
contradiz o não da boca.

O sorriso dos olhos
contesta o silêncio dos lábios

O brilho nos olhos
confronta o branco da língua.

Delay Pop

Percebi que envelheci
ao sair do mailing de raves GLS
para o de vernissages
e mostras de filmes de Fellini.
Nunca conheci uma parceira
pela internet ou fiz sexo virtual
e meus poemas não navegam
na rede.
Estão em livros. Santo Deus! Em livros!
Minha poesia é ruim
como diários de adolescentes
de pele oleosa,
e nem os jovens se identificam.
Aliás, jovens não lêem. Nada.
Eu ainda leio.
Eu ainda fumo.
Minhas tatuagens eternas na pele
não têm os traços da moda
do último verão
e faz uma década que ouvi
o último rock bom.
As gírias que uso já estão no dicionário.
Eu não cresci.

terça-feira, 15 de setembro de 2009

Esta noite sou eu

A saudade que ontem
te consumiu nas horas escuras
é minha hoje.

Todas as minhas companhias
precisam de energia elétrica.
Eu desligo a luz.
Se o dia de hoje acabar rápido,
pode ser que o futuro chegue logo.

Eu quero bom dia.

domingo, 13 de setembro de 2009

Incondicional

Não tem mais,
nem meio.
Principalmente, não tem mas.
Essencialmente, não tem se.
Risquei as vírgulas
uni as reticências em traço.
Escrevo frases curtas
com ponto final.
É o que agora faço.
Incondicionais.
Curtas
e finas
como agulhas
de medicina chinesa.

Assim

Discreta secreta misteriosa
inacessível musa diva
diáfana intangível inatingível
inalcançável impenetrável indefinível
insolúvel solução solta
livre linda.

improvável imponderável imprevisível
surpreendente inacreditável incrível
inesperada impensável impossível
inegável irrefutável irrecusável
sereia mar ilha.

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Retrocesso

Desaprendi:

o rumo norte;
a caminhar com minhas próprias pernas;
a andar de bicicleta;
a amarrar os cadarços;
a ler as letras;
a contar até dez (ou mesmo a soma de 1 + 1);
a cantar o hino;
a ser menino;
a temperar a carne;
a mentir mesmo quando útil;
a sequência das notas musicais;
a alquimia das palavras para fazer poesia;
o nome de quem eu amava;
a amar como dois inteiros.

Ou nunca soube.

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

A pedra no meio

Com a boca no teu seio
eu te desprezo.
Mentira, na verdade,
eu quero não querer.

Tudo porque estou cheio
da minha carência,
e da sua presença
alheia ao desejo.

Eu não tenho receio,
é mesmo só tristeza,
faz tempo que percebi
que eu te perdi.

A pedra no meio
do caminho é a falta de um adeus,
e eu, que gosto tanto
de um recomeço!

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

A faca serena

Quando uma felicidade calma se instalou
as palavras foram melodia
aos poucos perdendo volume
até restar este silêncio precioso
que guardo nas mãos em concha.

A felicidade empunhou a faca serena
e matou impiedosamente a poesia.
Não chorem, não cantem, não bradem.
É apenas a morte.
E tudo deve morrer.

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Habitat


Fernando de Noronha. Foto: Leandro Wirz

Poesia não se escreve
com girassóis
ou lírios.
Versos são cílios –
melhor, ciscos –
no olho
que não chora.
Escrevo porque abraço
ouriços.
Vivo isso.
Piso ruínas.
Habito-as.

domingo, 6 de setembro de 2009

A Balada de Denise


gota de chuva
acolhida
na folha de taioba:
mais vida
que brilha com sol.

sorriso de farol,
mão de fada,
alma de anjo atento,
generosa, espraia
luz sobre qualquer breu.

e eu, devoto
do teu nome
e da tua graça,
deixo entrar o cheiro
da nova manhã.




para minha irmã Denise Garrett

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Para os seus olhos

eu me dispo
como a manhã
estendendo-se sobre a sala.

eu me visto
como o vinho
encorpando-se na taça.

eu existo
como só poderia
depois deste encontro.

e eu me entrego
como oferenda serena
solta no oceano.

terça-feira, 1 de setembro de 2009

Adulto

Nossas diferenças são tontas
girando ciranda carrossel
de idas e vindas e vontades
essas, sim, tantas e tantas.

Os impulsos do sim versus
as razões do não,
melhor não,
são sem motivo.


O conflito perdeu o sentido.
O desejo ganhou fôlego.
Contínuo e consciente,
o impulso virou razão.