segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

O sonho do rio

Praia de Lopes Mendes, Ilha Grande (RJ). Foto: Leandro Wirz

Pálpebra fecha suave
mar calmo lambe a ilha
você flutua
palavra leve
na página branca
imensamente
senhora de todo o espaço
simultaneamente
discreta.
Seus olhos acendem a noite
eu aceito o seu convite.
Sigo seus cabelos
pelo caminho caramelo.
(buscar o belo é sempre o certo)
Sou rio.
Corro pro mar.

O silêncio do lago

O silêncio dos lábios
se quebra com os verbos dos olhos,
estes lagos que guardam
segredos e desejos mais profundos
do que posso desvendar.

Molho o corpo, firmo no raso
para então ir ao fundo,
fascinado por cada revelação
e por todo o mistério
das tuas águas.

segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

O som de quebrar nozes

Você não escuta vozes.
Ouve apenas o som de quebrar nozes,
vê somente as iguarias da ceia do norte,
mas eu sei o que corre na veia da morte.


Minhas dores são atrozes
Você não ouve o que grito.
Ouve apenas o som de quebrar nozes.


O Natal é teu.
Meu, é o que é fatal.

Amor de agora

grafite no Dragão do Mar, Fortaleza-CE. Foto: Leandro Wirz






Aceite o que posso lhe dar:
elixir e veneno,
amor intenso,
febre de momento,
amor sem souvenir
a não ser o que couber
no seu coração pequeno.
Amor sem arrependimento
sem nada a redimir
sem hora de chegar ou partir.
Amor de presente, inteiro,
amor presente
amor de bicho
sem noção da finitude.
Amor puro,
completude.

Esta noite sou eu

A saudade que ontem
te consumiu nas horas escuras
é minha hoje.

Todas as minhas companhias
precisam de energia elétrica.
Eu desligo a luz.
Se o dia de hoje acabar rápido,
pode ser que o futuro chegue logo.

Eu quero bom dia.

domingo, 30 de novembro de 2008

Erre

Nascer é uma agressão.
Não basta.
É preciso ir contra e além:
fazer os canivetes da chuva
furarem os olhos do sol.
Saquear as torres de marfim,
tornar o sagrado souvenir
e colecionar risadas.
É preciso ser da tempestade,
braços abertos desprotegendo
o rosto, o corpo, o beijo.
Faça!
Mate o conforto!
E fuja irresponsável e inconseqüente
pelos sigilos da noite.
Fuja da burocracia, da rotina, da rima.
Erre a mão na receita da felicidade
e desande o bolo.
Adicione ódio ao bem querer,
inverta a direção do olhar,
ignore qualquer conselho, inclusive este.
Não sirva de exemplo, de modelo ou padrão.
Desrespeite a regra e insulte seu autor.
Não poupe, não se preserve.
Descarrile seu próprio trem,
é impreciso perseguir a eterna distância
até a linha do horizonte.
E lembre-se:
só quem se despede,
permanece.



Este poema está publicado na antologia Ponte de Versos - 8 anos, Editora Ibis Libris.
Os outros dois poemas meus que integram a antologia já foram postados neste blog:
"O final" (11/09/2008) e "Camada" (15/09/2008).

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Ponte de versos



Tenho a satisfação de ter três poemas inseridos nesta antologia.

domingo, 23 de novembro de 2008

Revirar

As pontas dos pés ainda não tocam o solo
enquanto desço a garganta do diabo.
Com as mãos reviro os sentimentos
até o novo caldo de sabor desconhecido,
temperado com especiarias da dor
e das descobertas.
Tomo posse das minhas perdas.
Emergirei revigorado.

No deeper meaning

somos dessa geração de ninguéns
que foram tudo
e somos um pouco.
geração xis de mil coisas
cruzadas e cortadas em fatias de desilusão,
mixadas em liquidificadores turbo.
somos cheios de referências
informações linkadas e nada faz sentido.
marca de fato acontecido, já feito errado.
mas ainda falta tanto!
a cada dia que passa eu
analiso tantos currículos e não vejo perspectivas.
somos demi secos
meio fúteis
gastamos o que não temos
compramos o que não precisamos
para impressionar quem não gostamos.
cuidamos do corpo, pele e cabelo,
lemos revistas, manuais de conquista
e bobagens de auto ajuda.
tentamos não ser céticos
e parecer sempre otimistas.
moramos sozinhos e vivemos sós,
o que são coisas distintas.
cozinhamos, viajamos,
usamos drogas socialmente
enquanto discutimos o último filme da moda
ou dançamos música eletrônica.
habitamos o narcísico mundo virtual,
entre celebridades e silicones
e guerreamos no mundo corporativo
armados em armanis, dolces & gabbanas.
claro que fazemos terapia
pra entender quem desejamos.
e não conseguimos.
mesmo depois de tantas experiências
ainda nos portamos como cinderelas frustradas
e atacamos pra nos defender de qualquer um
que possa ser amor.

domingo, 16 de novembro de 2008

Atonais

A canção para você
jamais será tocada.
Não há arranjo possível.
Acordes estão proibidos.
Oitavas são inatingíveis
e os compassos, imprevisíveis.

Harmonias não casam.
Embora uma nota chame
a outra com precisão
e volúpia,
são atonais.

Tenho mãos de músico
mas só toco dó
em meu próprio réquiem rock’n’roll.

Sua música jamais.

Antropofagia

Meu corpo jaz sobre lençóis amarrotados.
Ao lado da cama,
ela tranqüilamente pinta as unhas
com o meu sangue.
Para cada pedaço do meu corpo,
acha utilidade.
O coração, ela descarta.

O amor não serve

Vou fechar a fábrica de poemas,
melhor eu calar sobre você
antes que te ofenda
com a minha saudade.
O tanto que eu te quero
pode por tudo a perder.
E se eu perder você
terá sido de mim que me perdi.
O amor não serve
só para unir.
O amor não serve
para você vir.

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Ruas do seu corpo

Seria legal você não usar nada por baixo,
para que minhas mãos tenham livre acesso
a todas as ruas do seu corpo,
todos os becos quase escondidos,
sem gatos sobre o muro
ou saxofonistas à meia-noite.
Todas as ruas do seu corpo livres
para o passeio das mãos,
o incêndio das bocas,
a revelação do olhar.
Não são ruas que apenas atravesso,
não são apenas vias de acesso.
Permaneço nelas, são meu lar.
Minha mão sobe por suas coxas
levantando seu vestido
até chegar aos lábios.

Caramelo

Em você habita
a genialidade do crime
quase perfeito.
Em você se encontram
na medida exata
o segredo e a revelação.
Luzes ofuscantes cegam
tanto quanto a escuridão.
Eu te descubro à luz de velas,
o amarelo e o negro.
O caramelo.

A outra face

Talvez sim,
eu tenha raiva
no dia do fim.
Mas se chegar o fim,
o dia da raiva
não nasce.
Entre tantas possibilidades,
a raiva não é minha favorita.
Como poderia,
se o amor supera tudo?
Quero que seja feliz,
com duas doses de veneno:
a minha boa lembrança
e a esperança triste do que poderíamos ter sido.
Dor será a minha escolhida.
É a outra face do amor.

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Lâmina do adeus

A lâmina do adeus
é a última página
da nossa história.
Faz pequeno
talho ardido
na ponta do dedo.
Você pode viver com a dádiva
das lembranças?
Você suporta o peso das lembranças?
Não temos mais o futuro.
Seremos apenas
o que poderíamos ter sido –
verbos conjugados no subjuntivo.

Leite

Acordo um olho de cada vez
começo meu dia com café,
mas podia ser vodka.
Acendo um cigarro,
as roupas de ontem ainda estão
espalhadas pela sala.
A noite foi boa,
a voz está rouca,
o corpo dói.
O que gosto mesmo
é dos meus dias não terem manhã.
E leite me faz mal.

Nas nuvens

Cabeça nas nuvens
pés no chão
tornam-me longo demais,
vasto demais,
vago demais.

Dentre minhas opções eu fico
com os pés nas nuvens
e a cabeça perdida nalguma estrela.
Eu serei mais feliz assim, livre
do futuro.
O que temos afinal?
O chão é varrido,
as nuvens viram chuva
e as estrelas todas caem.

Dentre minhas opções eu fico
com a que você me deixa, a única:
solidão.
Você é muito pra mim.
Vasta demais,
vaga demais.

Tento, mas não te alcanço.
Pés no chão,
pés no chão.
Teus pés, onde estou.

Instante

Quantos instantes na vida
explodem em magia e sentido?
Quando os olhos do outro
são espelho sem distorção?
Quando a vida pode acabar
porque atingiu a plenitude
e nem o fim é capaz
de roubar-lhe a eternidade?

Eu quero ser contemporâneo
dos meus sentimentos
perpetuamente.
Sem reparos sobre o que já passou,
sem dívidas a resgatar no que virá
e este presente
mal vivido, incompetente.

Eu quero o que não tive,
intenso, melhor ou pior,
com a ousada coragem da entrega.
Sou ao mesmo tempo – sempre o tempo! –
o abismo, a cobaia e a experiência.

sábado, 18 de outubro de 2008

O silêncio do lago

O silêncio dos lábios
se quebra com os verbos dos olhos,
estes lagos que guardam
segredos e desejos mais profundos
do que posso desvendar.
Molho o corpo, firmo no raso
e vou ao fundo
fascinado por cada revelação
e por todo o mistério
das tuas águas.

Canção pra te enaltecer

Teu riso branco de algodão
é espontâneo e insolente como as manhãs.
Teus expressivos olhos negros
ofertam novas verdades absolutas.
Teus cabelos como chuva sedosa
lavam toda ausência.
Tuas mãos pequenas e fortes
conduzem meu mundo.
Teu cheiro de eterno convite
espera única resposta.

O plebeu

Grafite em muro no Centro do Rio. Foto: Leandro Wirz



Não há nobreza maior

do que desdenhar a vingança.


Sinceramente,

eu quero que você se foda.

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Bocas boas

Este poema veio de Francinne Amarante.
Achei estimulante, e, num rompante,
como se fosse repente, ainda tonto,
respondi de bate-pronto.

Tá tudo lá no blog Balaio Cultural em 09.10.2008



"mas se eu italiano ou argentino
me perco na língua portuguesa
minguo à silábica francesa
me rendo na boca brasileira"

Francinne Amarante




RESPOSTA À TUA BOCA...

E qual a boca que é a cara do Brasil,
minha poeta de nome francês?
É a boca boa, a boca que sorri à toa
escancarada e sem dente?
É a Boca do Lixo produzindo pornografia
mais sadia que a boca da urna política?
É a boca de fumo vendendo ilusão
e distribuindo bala perdida
como se fosse frumelo
em cada boca de criança
sem nome e com fome?
O que corre a boca pequena é que a boca
brasileira não tem comparação com a estrangeira
e é por isso que vem um monte de gringo
gozar forte dentro dessa boca livre.

domingo, 12 de outubro de 2008

Lado a lado

Tenho cinco sentidos cansados
e um sexto sentido
que agora não sente nada.
Eu sento e espero
um som que me desperte,
o tiro de partida
para que eu corra
nas raias da minha própria vida.
Se eu soubesse de você,
onde anda , o que faz,
te pediria um empurrão,
ou um abraço,
conforme a ocasião.
Te pediria pra ser minha cúmplice
e companheira de quarto.
Te pediria pra, de mãos dadas,
andar, correr ou voar
até o pódio de chegada,
pra eu não ter nunca mais que procurar
e ter sempre certeza de que já te encontrei.

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

De repente

Piet Mondrian, Composition with Yellow, Blue, and Red, 1921, óleo sobre tela





Quero te dar um beijo de língua
de serpente

E fazer um Mondrian
com minha gilete em tua pele.

Escolhas

Sou apoteose dionisíaca
e só escolhi mulheres cartesianas.

Sou apóstolo da emoção
e amei como quem compra carros.

Sou o apocalipse da castidade
e preferi ter filhas a amantes.

sexta-feira, 3 de outubro de 2008

Crime perfeito

Vamos ao lugar de costume
pelo caminho habitual,
sentamo-nos à nossa mesa,
pedimos o de sempre.
Pode me revistar, estou limpo.
Nada suspeito ao redor,
tudo nos seus devidos lugares,
nenhum movimento estranho.


Súbito, a lâmina nas minhas palavras
dilacera seu rosto além da carne.
Creia-me, algumas vezes
a crueldade é a maneira mais delicada
de se fazer o que tem que ser feito.

domingo, 28 de setembro de 2008

Prato feito

Na terceira prateleira,
ao lado da sua sobremesa,
você me encontra.
Não é nenhuma surpresa,
estou na mesma geladeira
onde você me colocou.
Espero você abrir a porta,
descongelar e me comer.
Não precisa avisar
quando vai ser,
é até melhor me pegar
de repente.
Na verdade, eu já vou
estar bem quente,
pronto pra tua boca, língua e dente.

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

Enfim, um poema útil

Te quero à mão como café
cigarro
água
uísque caubói

Te quero à mão como gasolina
chave de roda
macaco
triângulo

Te quero à mão como aspirina
esparadrapo
preservativo
absorvente

Te quero à mão como lanterna
telefone
controle remoto
Polaroid

Te quero à mão como trocados
papel e caneta
agulha e linha
guarda-chuva

Te quero à mão como táxi
bombeiro
polícia
ambulância

Te quero à mão como amante.

terça-feira, 23 de setembro de 2008

Indo

Use o gerúndio para me abandonar.
Não suportaria único e súbito golpe.
Faça cortes lentos e mornos
e avance em passos estudados
como se me seduzisse
ao avesso.

Acenda minha solidão à luz de velas.
Encha minhas taças não mais até a boca.
Elas ainda estarão meio cheias
e eu vou sorrir ilusões perdidas.
Deixe a distância pegar intimidade
até deitar-se em nosso sofá
e fumar em nossa cama.

Eu vou me acostumar a sentir
que seu corpo não é mais meu.
Por mais que eu mova mundos,
teus olhos não me querem mais.
Faça ser outono.
Eu preciso de tempo para entender
que suas razões estão acima da razão,
do bem e do mal.


Seja o que sempre foi até o fim:
feche a porta suavemente ao sair.
Um dia, vou abrir as cortinas da sala,
deixar o sol entrar como se marcasse o reinício.
E direi: eu estou bem, eu vou indo.

sábado, 20 de setembro de 2008

Pós-moderno

Meu corpo é o templo;
minha incoerência, a religião;
Deus mora em mim,
mas não existe.
Exibo-me, logo
existo
na televisão.

Não há credo, causa ou pátria
que me façam levantar.
Eu não ligo pra você
é a resposta
para o que não lhe ouvi perguntar.
Estou muito ocupado agora
ornamentando meu umbigo.
Faço por mim e não para você
e não quero nada diferente.
Sem dramas ou culpas,
permaneço dignamente impassível.

Quando o tempo atingir com o passado
o meu templo,
pularei do alto do meu ego
numa piscina rasa de espelhos.
Não entrarei numa história
maior que trinta segundos.

Memória das árvores

Ilha Grande. Foto: Leandro Wirz


Tenho tudo gravado na memória das árvores.
Desde os banhos ao ar livre no quintal,
as corridas ao redor da velha mangueira,
os aromas do jasmim,
até tua nudez sem culpas,
os rituais de provocação,
o cheiro do teu corpo suado.
Estava tudo guardado nos grossos troncos marrons,
no espesso verde, no sereno, no silêncio.
Então teus olhos puxados rasgaram a luz
como estiletes talhando a madeira
fazendo escorrer a seiva.
O que há de mais puro
que o desejo,
que o pecado?


Ao fim da estação, as amendoeiras
jogam as páginas da história ao chão
e qualquer passante vulgar pisa.
Meu corpo agora é assim. Tapete.
E os inevitáveis amores errados foram
aos poucos puindo seus fios, puindo, puindo.
Outono é minha estação favorita.
Está chegando o meu tempo.
Tudo bem. Está tudo guardado na memória das árvores.

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Camada

No outono das horas,
as palavras vêm
forrar o chão do corpo.
E este corpo ganha tuas mãos cálidas
e as cores aquecidas dos teus gestos
brotando árvores densas com galhos longos
no espaço em branco.
E como a água mansa corre
suave e contorna a pedra
você cobre viva os dias.
Vem diante dos meus olhos
em sorrisos e sóis
ser a camada sobre a pele
e a pele sobre o mais íntimo.

sábado, 13 de setembro de 2008

Ela não mora mais aqui



Se amar é mudar a alma de casa,
preciso atualizar meu endereço.
Já está na palma da tua mão
o que te ofereço.
Já é onde pulsa meu coração.
Entregue e alheio
à minha vontade,
obedeço a teu corpo,
não mais ao meu.
Nenhuma dúvida, nem sinal
de arrependimento.
Nenhum lamento.
É a minha escolha
Amar é escolher.
_____________________________________
Esta é, para mim, a mais bela definição de amor:
"Amar é mudar a alma de casa", Mário Quintana

sexta-feira, 12 de setembro de 2008

Enquadramentos



Desenho formas doidas
e as fecho num quadrado
tenho idéias loucas
que guardo na cabeça
choro lágrimas sentidas
que prendo num soluço
crio frases soltas
que calo na boca.
Tenho risos escandalosos
contidos num sorriso,
explosões de raiva
trincada entre os dentes.
Rabisco poemas
em cadernos que perco.
Tenho grandes amores
guardados no peito
e amantes quentes
trancadas no armário.
Faço viagens inteiras
entre quatro paredes,
invento mundos todos
que trancafio no quarto,
vivo momentos felizes
limitados aos sonhos
e contemplo horizontes imensos
apenas pela janela.
Procuro portas para sair
mas só subo pelas paredes
e não as acho.
Não as acho.

As vozes

As paredes da minha casa
guardam silêncio enlouquecedor!
Só ouço vozes rememorando
suas mentiras e juras de amor.
Em qual de você devo acreditar?

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

O final

arte de Aline França sobre poema de Leandro Wirz



Rasgaremos nossas fotos
e cada um ficará com a metade
em que aparece.
Mas o que fazer com as imagens
gravadas nas retinas?
Não adianta nem furar os olhos.
Não ouviremos aplausos
quando cerrarmos as cortinas.
Talvez um silêncio agudo:
som de quem não tem chão.
Os discos a gente copia,
os livros a gente doa ou queima.
Mas o que fazer dos dias?
Amontoado de horas jocosas
rindo de passados não terminados.
O ócio é o pai do bem, não do mal.
Eu não gosto de luz natural
que invade a poeira da minha sala.
Eu tenho medo de janelas abertas.
Final é sempre algo feliz.
Eu vou ser!

terça-feira, 9 de setembro de 2008

Portrait in blue

Esta é uma compilação editada na Inglaterra, da qual participei com este poema.

Some may think that I am mad
when I'm just very sad,
probably a little bit crazy,
I am just a definite maybe.

Who knows exactly who I am,
my mom, my doc, my hard old man ?
Where am I supposed to be,
under your body, down on my knees ?

Can I look into your reckless eyes
and still find a trace of faith ?
I almost died when I hit you by surprise
in a battle of haze.

If I see you again would you be
really able to forgive me
over a carpet of autumn leaves
underneath your graceful arms ?
I'm so sick and tired of living
my life, can't find out its meaning.
Can't you see my walls are trembling
and I'm not strong enough to stop them?

I've got a devil inside now and he
never sleeps or hides his signs.
In my missing persons' gallery
your portrait always shines.

Shining blue.

Melhor do que eu




Comprei menino a ilusão
dos velhos:
o mundo se resolveria no Direito Romano.
Aprendi que é nas arenas, não nos tribunais.
Desprezo os medíocres santos,
a história é escrita com o talento admirável
dos crápulas.
Sou o pior,
sou único
e ninguém pode ser o que sou
melhor do que eu.
Transformo talheres em armas brancas,
gravetos em barcos,
trapos em velas.
Senhor, alcance-me se puder!
Nunca envelhecerei
para sentir remorsos
Jamais serei piada
no humor negro de Deus.

domingo, 7 de setembro de 2008

Meu grande amor



Quando te abracei
e olhei por cima do seu ombro
vi o meu futuro
despedaçado no chão
e chorei uma única lágrima
com um olhar fixo e patético.
O meu sonho era de vidro
e eu não sabia
até vê-lo estilhaçado
atrás do seu corpo.
O meu futuro estava todo ali
derramado como leite
sobre o qual não adianta chorar,
e eu não tinha a quem culpar
a não ser a mim mesmo.
Por instantes,
eu não quis parar de te abraçar,
mas engoli a lágrima
e te soltei,
talvez tarde demais,
meu grande amor,
minha própria desgraça.

Trajetória



Tinha uma chaga no peito,
uma vaga na vida.
Vagabundo
vagamundo
vagalume
de estrelas.

As manhãs


Dedico as noites
em que você me permite
a esquadrinhar cada
centímetro quadrado
do seu corpo.
Em seguida,
quando já raia o dia,
refaço o percurso
das mãos
com as sobras da memória.
Decupo cada cena
gravada na retina
com minúcias de ourives
que despreza o passar das horas.
E tremo outra vez
como se o mesmo vento
voltasse àquele lugar.
Quieto e distante
opero o milagre do tempo:
retorno ao preciso instante
em que seu corpo
inteiro e concentrado,
espalha pelo quarto
o amor que jamais sentira.
Todas as manhãs
eu retomo o mesmo vício.
A mesma virtude.

Engenharias


Geometrias frias
expostas no seu olhar
paredes de concreto geladas
erguem-se entre nós
mecânicas engrenagens que movem seus carinhos.
Só. Sem calor algum
Frio. cimento frio.
Química da morte,
negra e cinza,
estruturas vazias
fomos nós dois.
Circuitos em curto

Versos sobre


São versos sobre trocas de pele,
sobre trocas de alma,
versos de pânico, primeiro,
e depois da calma
de quem perde o medo
do lado escuro da vida
e é inteiro e sem segredos
como cabeça sem cabelo
ou beijo de língua de olhos fechados.

Eu fiz amizade com a tristeza,
os amores que perdi -
e sobretudo os que tive -
me ensinaram a não sonhar.
A intimidade
me permite chamar a melancolia
de mel
e a felicidade
de fel.

Meu rosto pálido
é invariavelmente sereno
diante de qualquer absurda calamidade
e meu coração, mesmo pequeno,
é tão forte que não chora
por alegria ou saudade.
E meus versos são, enfim,
sobre descobertas, nasceres, encontros
e as vezes todas que me despedi de mim.