segunda-feira, 29 de junho de 2009

Reverso

Este é um poema às tuas costas
rabiscado na contracapa
e na última página que lego
à memória do que não seremos.
São versos ao avesso,
o preço do tesão, tropeço
no nada no chão.
Não há nada que te leve
a me querer.
Dá-me apenas as costas! –
sem saber que me basta.

Nívea

Tem alguma coisa de nívea,
alguma coisa de névoa,
alguma coisa de nuvem.


Tem alguma coisa de néon,
alguma coisa de nova,
alguma coisa de ninfa.

Tem alguma coisa de notívaga,
alguma coisa de noviça,
alguma coisa de neném.

Tem alguma coisa de ser de ninguém.

sexta-feira, 26 de junho de 2009

Proposta

Eu me proponho a ser um prazer.
Uma tara
Um fetiche
Um deslize
Um erro
melhor do que um acerto

Eu me proponho a ser um vício.
Uma obsessão
Uma insanidade
Uma brincadeira
Um crime
perfeito e sem punição.

Eu me proponho a ser um pecado.
Uma loucura
Um sonho
Uma aventura
Uma irresponsabilidade,
ousadia dos que são livres.

Eu me proponho a ser um desatino.
Uma travessura
Uma fantasia
Um delírio
Saudade
Doída, pra sempre

quinta-feira, 25 de junho de 2009

Ruas do seu corpo

Seria legal você não usar nada por baixo,
para que minhas mãos tenham livre acesso
a todas as ruas do seu corpo,
todos os becos quase escondidos,
sem gatos sobre o muro,
sem saxofonistas à meia-noite.
Todas as ruas do seu corpo limpas e livres
enquanto minhas mãos passeiam,
minha boca incendeia,
meu olhar descobre.
Ando por essas ruas pensando
que talvez sejam o meu lugar,
não são mais ruas que só atravesso,
não mais apenas vias de acesso.
Permaneço nelas, são meu lar.
Minha mão sobe por entre suas coxas
Levantando seu vestido
até chegar aos lábios.

Impasse

Você me cobra um novo poema
que reacenda o desejo.
Eu quero mais do mesmo velho calor,
um primeiro último beijo.

domingo, 21 de junho de 2009

Quem tem

Só acredito que você virá quando entrar.
Aprendi com tuas faltas a esperar menos.
E amar sem esperar é ainda mais generoso.

Amor desesperançado,
desiludido, realista, imperfeito.
O melhor que há, o mais verdadeiro.
Quem tem menos a perder tem mais a dar.

sábado, 20 de junho de 2009

Cobiça

Eu não sabia da missa
a metade
até inverter a premissa:
na verdade,
bela é a cobiça.
Nos corpos na dança
e no olhar que atiça
reacende a esperança.
Capital não é o pecado,
é o movimento.
Erro é ficar parado,
preso ao sentimento
do passado –
tudo tem seu tempo.
O desejo desconhece freio,
anula quem o envenena,
despreza a moral e o receio,
está acima da justiça.
Cala quem condena.
Amor é sempre cobiça!

quinta-feira, 18 de junho de 2009

As cartas

Dois cavalheiros duelavam por ela.
Um pôs as cartas na mesa.
Desfilou seu credo niilista.
Lançou mão do ás na manga
e interpretou-lhe os sonhos,
os desejos calados n’alma.
O outro, jogou as cartas do tarô,
predisse o futuro
e descreveu-lhe a aura.
A dama, entre suspiros, risos, sigilos sábios,
era quem dava verdadeiramente as cartas.

terça-feira, 16 de junho de 2009

O tempo não adianta

O cronômetro disparado
marca minutos lentos,
e vara noites em claro.
Estou acordado,
estou atento
a cada movimento.
Você merece cuidados
e despreza detalhes
que fariam a diferença.
Pra onde sopram os ventos?
Não há resposta que não se altere
de tempos em tempos.
E quanto tempo me falta?
E quanto tempo te resta?

O coração disparado
marca passos lentos,
e bate em compasso de espera.
E quanto tempo te sobra?
E quanto tempo me resta?
Os dias escorrem pela fresta,
aonde você pensa que vai
sem tanta pressa?
Todo o tempo do mundo
é um tempo que não existe.
Devagar se vai ao longe –
longe de mim.
A vida não espera,
o tempo não adianta.

segunda-feira, 15 de junho de 2009

Estar onde estou

O avesso da ressaca é o êxtase.
Estar onde estou agora.
Sem hora de ir embora,
sem pegar trânsito
para sair do transe.
Eu quero ficar no que há
de sublime no ar.
O momento quente
congelado no tempo.
Você me dá um doce,
pedaço de paraíso torto.
Não saio daqui nem morto.
O avesso da morte é o amor.

sexta-feira, 12 de junho de 2009

Casanova

Abro as janelas.
Esvazio as gavetas
retiro a poeira e viro
as páginas dos livros nas estantes.
Ponho os lençóis
para secar no varal
e o colchão para pegar sol.
Lavo a louça,
aspiro os tapetes
limpo o banheiro.
Varro o chão,
encero o piso.
Respiro.
Preparo a casa
para receber
Tereza.

Gênero

Você veio em busca de um poema bonito para acompanhar as flores.
Endereço errado.
Não escrevo poemas felizes de amor.
Escrevo poesia.
Não ficção.

quinta-feira, 11 de junho de 2009

Eu erro

Nem todo olhar redime,
nem todo gesto recupera
nem toda palavra salva.

Todo passo pode ser em falso,
toda dor pode ser velada,
todo grito pode ser abafado.

Nem todo crime merece castigo,
nem todo silêncio é entendido,
nem todo choro é ouvido.

Todo pedido requer atenção
todo pecado, perdão
todo engano, correção.

Amor é vertigem
e imperfeição.
Eu erro.

O blog no jornal




Esta imagem é da capa do Caderno C, o de cultura do Correio Braziliense, que traz,em sua edição de 9 de junho de 2009,a matéria "Poesia à solta",sobre blogs poéticos.

Para quem não o conhece, o Correio é o jornal mais lido de Brasília, cidade em que este carioca viveu por quase oito anos e que continua amando.

Fiquei muito contente em ser um dos entrevistados para a reportagem. A seguir, destaco o texto da matéria em que sou citado:

"Autor do bem-recebido livro de poesia Lâmina do Adeus, o poeta e publicitário Leandro Wirz (que trocou recentemente Brasília pelo Rio) fez do seu blog escoamento da produção poética. Às vezes posta imediatamente quando escreve, às vezes deixa maturar na gaveta até enviar para a rede, na qual mantém fiel e qualificado grupo de leitores.

— Ando desanimado em publicar livro impresso, há tantos lançamentos, tanta gente escrevendo e tudo é tão moroso, da edição às vendas. O blog surge por essa necessidade de atualidade, urgência. A poesia chega às pessoas que estão fora do círculo de amigos. Os versos seguem caminhos por mares nunca navegados. É fascinante, conta Leandro Wirz. "

Para ilustar a matéria, o jornal escolheu meu poema "Ganhos", publicado aqui em 7 de junho de 2009.

segunda-feira, 8 de junho de 2009

Indo

Use o gerúndio para me abandonar.
Não suportaria único e súbito golpe.
Faça cortes lentos e mornos
e avance em passos estudados
como se me seduzisse
ao avesso.

Acenda minha solidão à luz de velas.
Encha minhas taças não mais até a boca.
Elas ainda estarão meio cheias
e eu vou sorrir ilusões perdidas.
Deixe a distância pegar intimidade
até deitar-se em nosso sofá
e fumar em nossa cama.

Eu vou me acostumar a sentir
que seu corpo não é mais meu.
Por mais que eu mova mundos,
teus olhos não me querem mais.
Faça ser outono.
Eu preciso de tempo para entender
que suas razões estão acima da razão,
do bem e do mal.

Seja o que sempre foi até o fim:
feche a porta suavemente ao sair.
Um dia, vou abrir as cortinas da sala,
deixar o sol entrar como se marcasse o reinício.
E direi: eu estou bem, eu vou indo.

Revirar

As pontas dos pés ainda não tocam o solo
enquanto desço a garganta do diabo.
Com as mãos reviro os sentimentos
até o novo caldo de sabor desconhecido,
temperado com especiarias da dor
e das descobertas.
Tomo posse das minhas perdas.

Pano leve




Hoje eu não saio da toca,
não levanto da cama,
não mostro a cara,
não ponho os pés na rua.

É que minha tristeza está nua.
E eu preciso me cobrir
nem que seja com o véu
de mais uma mentira sua.
Jogue por cima um pano leve
que engane o tato
do meu amor cego.

A cena

a chuva copula o asfalto
copiosa chora e mente
lembrança
de amor ausente.
toma de assalto
o fim da tarde
quente
molha com alarde
os tetos de zinco.
trança com a noite
tramas com charme
acerca do perdido.
tudo é agora:
o silêncio urdido
os corredores fugidios
as nuvens de estanho.
eu sou sozinho –
só um estranho
no ninho
do mínimo tamanho
dessa boca de cena.
acena discreta
a senha secreta
que eu vou para aí.

A invasão da felicidade



A loucura se oferece insinuante
colorida como um céu de Van Gogh.
Eu lhe retribuo o sorriso
e aceito quase feliz sua chegada.
Ninguém percebia nosso flerte
e talvez sequer notem nosso enlace.
É tarde. Estamos face a face e ela,
linda! - como um dragão de circo chinês,
como um ladrão, um homicida da sensatez!
Estava mesmo cansado de ver o mundo
com olhos de quem entende o que está
acontecendo.
Tenho novas cores agora, novas telas,
e da enorme força que me invade
faço segredo.
Perdi o medo.

domingo, 7 de junho de 2009

As estradas sadias

Você deve ser mais feliz
seguindo a trilha natural que sai do seu jardim.
Meu caminho é mais torto.
Invejo estradas largas e sadias,
mas não posso me queixar:
tive muitos amores e
chorei muitas vezes de dor
e desentendimento.
Amar é deixar ir.
As memórias são mais sólidas e perenes
do que as realidades.
Guardo a sensação do que penso
ser amor.
Você foi o grande amor
daquela minha vida.
Foi eterno.

Abstrato visceral

Eu gosto do gosto
da tua boceta.
Eu vejo tua nudez
de olhos fechados.
Eu sonho acordado
com tua libido desperta.
Meu desejo é necessidade
física, é tátil, tangível,
e não apenas vontade.
Eu preciso te tocar,
cheirar, enfiar os dedos,
a língua, o pau,
em todos os espaços
e superfícies do teu corpo.
Eu sinto falta real
do que é carnal em nós.
Amor é abstrato e visceral.

Ganhos

Pegue outro pequeno pedaço
do meu coração,
que diferença faz?
O que tive, perdi,
não tenho mais.
Você tem a chance de ser feliz,
não perca este instante.
Não hesite em vender a alma.
Mente quem diz
que temos todo o tempo.
Perca a calma,
perca-se por nós.

segunda-feira, 1 de junho de 2009

Mercado das flores



Mulheres modernas têm arrobas nos seios
e códigos de barra no ventre.
Homens contemporâneos trazem etiquetas
de marca, modelo e preço.
Tudo mudou e ficou na mesma.
Estamos no grande mercado:
somos todos produtos naturais,
fabricados, importados, falsificados.
Genéricos desde sempre.
É genético o apetite pelo novo,
o desejo insano pelo prazer inédito.
Amor é outra história,
assunto para longa conversa
ao pé do vinho.

Mãos cheias

Eu tenho um punhado
das tuas horas
entre tantas de solidão
que um desavisado diria
serem sobras
da tua rotina.
Apanhado de letras
espalhadas por páginas,
e acordes entre cordas.
Tenho mancheias
de fotos guardadas
entre tantas imagens
e algumas frases registradas
entre tantas palavras.
Eu tenho um bocado
de momentos espaçados
entre tantos fatos.
E a eles me apego
como a velas na escuridão.
E a eles afago
para mimá-los na memória.
Não posso me queixar
que tenho apanhado:
venho colhendo flores
entre pedras.

Não me falta

Não é vocação,
nem ofício, carma
ou vício.
Muito menos sacrifício.
Não há remorso,
culpa ou auto-indulgência.
Não me falta brio,
não me falta brilho.
A dor é o único amor
que não perdi.