segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Estio

Semente no estio
aguardo tua chuva
promessa de colheita
na próxima estação.

Corpo vazio
à margem do olhar
que reacende a lareira
remota no coração.

Quero teu cio
como quem espera
o sol queimar
no alto verão.

Sigo vadio
ruas meio escuras
não pelo lado selvagem,
mas ao lado da solidão.

Meu amor se alimenta

Meu amor se alimenta de esperas,
esta noite ela vem ou não?
O futuro não existe
e torna tudo possível.
Teus lábios na minha orelha
sussurram a página zero
de um livro a ser escrito.
Um livro de areia
à espera de uma onda
de um vendaval,
de um final.
Certamente imprevisível
no oráculo ilógico do acaso.
Mas o meu amor permanece
impassível, inventando passatempos
esperando latente
espumante alvorecer.

sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Giro estático

Ao rodar a saia e espalhar as brasas
sobre os corpos dos incautos,
você incendeia suas pretensões
e alardeia a própria vaidade.
Faz girar ao avesso circunstâncias
conveniências, moralidades arcaicas.
Um raio de olhar em minha direção
confere a esperança
da sua entrega, como se por
um único instante você pudesse
não ser livre.
E eu passaria noites à espera
de não ser como todos os que
desejam os seus favores.

Agora que a verdade vem

Chega a doer
este poema no corpo.
Um soco
que desnorteia
e me põe sentado
à beira da cama.
Encontrar meu rosto
no espelho dos teus versos
tira meu ar,
arranca meu chão.
O clarão da luz tão forte
por um instante cega.
Mas tudo bem.
Agora que a verdade vem
eu sei para onde eu vou.

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Placidamente

Atestam meus olhos plácidos
que não há gordura sob minha pele
a preencher os entreossos.
Há hiatos, vácuos
entre o plasma, o sangue
e músculos flácidos.
Exceto o coração.
Este tem o vigor imprudente
dos ousados,
dos quixotes frente aos moinhos
cruéis e ácidos.

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

A traição da memória

No velho cartão amarelado
deveria estar escrita sua promessa
de amor eterno.
Na foto envelhecida
você deveria estar ao meu lado.
Essa sua ausência gritante
é mais forte e duradoura
do que poderia ser a mais imponente
presença.
O vazio nos dita.
O vazio define a minha história,
determinada não tanto por aquilo que fiz,
mas por aquilo que entre meus dedos
derramou-se ao longo do tempo.

O que me resta é apenas uma narrativa
borrada pelas deformações da própria memória.
Esta é mais terrível das solidões.
Não conto com ninguém, nem comigo mesmo.
Avanço em quartos escuros
reminiscências esfumaçadas
palavras pastosas em bocas de não sei quem
Tropeço em pontos cegos,
embaralho pessoas, tempos, gestos
Como se os escaninhos perdessem as divisórias
e tudo fosse uma imensa teia melada
na qual deslizo como num sonho
ou a própria realidade.
A mesma história antiga se repete diversas vezes
E nunca é da mesma maneira.
A cabeça é um cão infiel.

Os sinos




busquei a face de deus,
ele era a cara do Jim
com óculos ray-ban
e olhos lisérgicos.
sua voz grave
dizia sandices
que soavam verdades.
meus sinos avisam que é hora
de voar.
meu corvo traz pérolas
no pescoço.
sempre algo morre
para outro nascer.
ou apenas tudo corre
para mudar.
eu quero ser mais moço
quero andar para trás
um passo
e saltar outros longos demais.
minha vida inteira crepita
como papel cheio de versos
velhos e o ruído da destruição
é música.
eu me interesso pelo calor do novo
que vem me mastigar.
eu quero rir e deixar a vida
cobrar seu preço.
meus sinos avisam que é hora
de voar.
escolho o que mereço.

Invocação

Há quem nas horas duras invoque os santos.
Eu chamo meu pai. Não sua virtude.
Seu vício. Sou como ele.
E peço que me salve da sina
de ser eu mesmo.
E de ser filho de peixe, desperdício.

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

No canto da noite

No canto de cá da noite,
escrevo almejando teus olhos.
Posso dizer que te vejo lendo.
E repito à exaustão o meu texto
porque até as mentiras
demasiado repetidas
tornam-se verdades.
A mentira repousa no silêncio.
E onde vive a verdade?
No desejo ou na renúncia?

terça-feira, 4 de agosto de 2009

A verdade

Estou em paz.
Conformado em nunca ter paz.
Assumo meus vícios -
que alívio!
Aceito, alforriado, o que sou,
não desfilo mais com mantos de virtudes.
Minha consciência dorme tranquila
ao lado da culpa. São amantes
em um relacionamento saudável.
Dispenso igrejas que vendam conforto,
estou acostumado à estrada errada,
não existem duas opções.
Ao menos, não mais.
Sou mesmo filho de Caim,
impuro e lindo.
Livre no espelho.

Corpo da terra

Hesito
entre o corpo da terra
e a língua do vento,
ainda não me entreguei
mas estou propenso
a fazê-lo.
Quero lamber o pêlo
banhar de leite o rosto
e o cabelo
para que a alma ganhe cor.
Nem dor eu tenho,
sou templo suspenso,
onde solidão é paz
e saudade não é mais.


Excito
com a chama da vela
e com a cama ao relento,
eu já tentei
mas não há consenso
entre meus deuses.
Quero vencer os medos,
lavar os becos,
revelar os segredos
para que a vida ganhe cor.
Ardor eu não tenho,
sou nascedouro sereno
de rio de pedras
no peito que se fecha.

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Antena

No sofá da depressão,
assisto pelas grades da janela
à televisão dos outros apartamentos
piscando luzes madrugada adentro.
Mentira que eu sou o centro.
O vento, o movimento do mundo,
o seu sentimento,
o tempo,
eu não controlo.
Com meu descontrole remoto
não troco os canais da vida.
Permaneço eletrostático
à mercê da tua não vontade.

domingo, 2 de agosto de 2009

Secura

Meu coração está seco
como o chão desta terra
em pleno agosto.
Há poucos desgostos
eu ainda tirava leite
das pedras,
agora nem das tetas.

Meu olho está seco
feito a grama desta terra.
Nada mais me deixa chocado
nem a cama dela mais
me deixa excitado.

Minha boca alma está seca
como a água desta terra.
Com a calma de quem não tem paz
e desistiu.
Eu não tenho paz.
Eu já fiz o que ninguém viu.

Lua

Não é quando o dia amanhece em nova aurora,
a vida recomeça quando o sol cede seu lugar.
Esse é o sinal pra mim,
porque sou canhoto
e não destro,
porque sou verso
e não prosa,
canção e não matemática.
Sou guitarras e não armas,
porque sou emoção
e não lógica,
porque ando pelo lado mais vazio da calçada,
porque dirijo de faróis apagados na contramão.
Simplesmente porque sou
o final de semana
e não os dias úteis,
simplesmente porque sou
lua
e poderia ser só sua,
mas você não entende...

sábado, 1 de agosto de 2009

Pedidos de casamento

Eu não lhe peço amor,
porque este, me esmero e conquisto.
Eu lhe peço sabedoria
para usar o poder que lhe dei
de me ferir e de me fazer feliz.
Eu lhe peço erros novos,
porque os não repetidos, posso perdoar.
Eu lhe peço a coragem das palavras,
porque serpentes habitam alguns silêncios.
Eu lhe peço lealdade
para que a mentira não se deite entre nós.

Véus violeta



Suas mágoas
são pétalas de rosa sangue
embrulhando-se mutuamente.
Seus dedos longos alvos
mantêm o cigarro.
Seu vestido diáfano
suavemente cobre e descobre
seu corpo
sem que você se importe.
Há uma lágrima discreta
de profunda tristeza,
mas ela também já não lhe importa.
Até chegar às suas verdadeiras razões
existem camadas de véus violeta
e não há homem capaz
de ir tão fundo.

O chamado

Atendo ao chamado vocacional da liberdade.
Pratico o desapego
como se fosse preciso em breve.
Quero de tudo menos.
Inclusive, e sobretudo, pessoas.
Nem poucas e boas.

Eu tentei caber na página
da tua história,
construir laços longos
e nós apertados.
Minha partida vai te machucar.
Depois de toda a calmaria,
eu sou mar.

A correnteza segue,
a onda estoura na praia
distante.
Eu não temo jogar tudo e perder,
o medo é de não morrer
quando passar a tempestade.