quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Faz

Faz minhas noites
mais
leves
Faz meus dias
mais
breves -
intensos.

Faz meus momentos
mais
vivos
Faz meus risos
mais
ricos -
sinceros.


Faz meus instantes
mais
inteiros
Faz minhas horas
mais
agora -
eternas.

Cartas marcadas

Existem os que vencem,
os que perdem
e os que cantam a dor.

Na sua lembrança, serei
não um perdedor, vítima do mundo,
mas um poeta, vítima de si mesmo.

Escrever é masturbar a vida.

A missão

Até quando
cantaremos esta mesma
velha canção
insistente
e inútil ?

Até quando
seremos quixotes
inadaptados
e acreditaremos que somos
heróis e não imbecis?

Até quando
seremos orgulhosos
de nosso incorruptível fracasso,
alimentados
pela mísera, tola e nobre
missão
que julgamos ter.
Ah, como é vã nossa esperança.
Eu já fiz quarenta.

quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Nunca seja minha

Não seja nada
além do que é.

Guardo o que admiro,
não o que possuo.

Nunca seja minha.
eu te perderia.

terça-feira, 27 de janeiro de 2009

Suave imprudência

Foto: Leandro Wirz





Hoje, ele amparou meu rosto
com a mão e enxugou minha lágrima.

Será que ele sabe o quanto
isso é perigoso?


sábado, 24 de janeiro de 2009

Quem tem

Só acredito que você virá quando entrar.
Aprendi com tuas faltas a esperar menos.
E amar sem esperar é ainda mais generoso.

Amor desesperançado,
desiludido, realista, imperfeito.
O melhor que há, o mais verdadeiro.
Quem tem menos a perder tem mais a dar.

Sugestão

O amor justifica tudo.
Verso que abre o poema
e encerra o discurso.
O amor justifica até rimas em ão,
desde que venham do coração.
O amor justifica nossos atos,
garante a vitória da coragem
sobre o medo.
Amor é companhia de viagem
e ao mesmo tempo é casa
sempre com cheiro de nova.
Como meu corpo é a casa do teu.

É alguma coisa viva

A vivacidade da cor mais intensa,
a força do fogo indomável,
o mistério do punhal inesperado
me invadem e dominam os dias.
Assolam as noites feridas
pelo açoite da tua ausência.
Tenho a sede dos excluídos
o apetite crônico, o sonho do insone.
Tenho fome do teu corpo.
Teus olhos roubam os meus,
me vicia teu cheiro,
tuas pernas envolvem meus quadris.
O amor não se esconde sob a pele,
é coisa da carne:
te sacia nua sobre mim!

terça-feira, 20 de janeiro de 2009

Terra do Nunca

Os teus sins são sinais,
incerto caminho
em tela impressionista.
Primeira impressão
num segundo hesitante.
Mundo embaçado
pela lente que chora
numa imprecisa hora
eleita pelo acaso.
Nada demais.

Nada é mais que a gente.
Tudo grita, mas nada
como um amor mudo.
Um grito surdo!
Que erra
pela terra do nunca,
onde os sinais esboçam um truísmo torto:
amor que não pode viver
não pode ser morto.

E não é outra

Basta olhar.
Eu minto.
Não é o bastante.
Bate o meu pulso
com o instinto
de tocá-la
como se fosse
questão
de sobrevivência.

Também não basta tocar.
Eu sinto.
Não é suficiente.
Sua meu corpo
com o desejo
de surfar
a pele morena
como se fosse
meu próprio
oceano.

Ainda não basta.
Eu insisto.
Não é só isso.
Vibra a alma
com a vontade
de ser par
como se fosse
feita
pra te acompanhar.

E não é outra a razão do poema.

sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

Hoje

Melhor não -
ela diz.

Eu não ouço.
Meus olhos já estão nos dela
Minha mão em sua cintura
Minha boca chegando na sua.


Melhor não –
ela diz,
sem convicção,
quase um sim.

Hoje, não quero o melhor.
Me deixe apenas
com o bom.

Diga trinta e três

Sou 33,3
e não queremos que eu seja cem.
Está de bom tamanho
ser o número certo.
No fim das contas,
há engenho e arte
em ser parte do bolo.
Talvez a melhor parte
seja melhor do que o todo.

quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

Aviso aos navegantes

Lagoinha - CE. Foto: Leandro Wirz

Esta página está em construção.
Eu estou pronto.
Como sempre estive.
Como nunca se está.


Lista de espera

Resposta
você entrar pela porta
o neném
a menstruação que não vem
a sorte –
só a morte
que não.
A inspiração
a chuva estiar
o dia chegar
um dia ir embora
dar a hora.
A lua nova
a nota da prova
o cabelo crescer
o seio florescer
o táxi, o trem, o entregador
passar a dor
a promoção
a próxima refeição
o pagamento
ficar pronto o documento
o telefone tocar
a mensagem chegar
a ajuda de Deus
o poder aos plebeus
transar a primeira vez
ter certeza e não talvez.
A doação
a rendição
a primavera
o fim da novela
o aumento
o atendimento
o final de semana
conhecer alguém bacana.
A reinvenção da roda
a nova moda
o lançamento
o reflorestamento
renascer a esperança
recordar a lembrança
a primeira palavra
uma boa lavra
ele olhar pra mim
na igreja o sim
o perdão
a melhor ocasião
vencer o temor
o verdadeiro amor
sarar a ferida
sempre uma nova vida.

Félix Fênix



Eu morri de amor várias vezes.

Tenho mais vidas que um gato.

quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Os sinos

busquei a face de deus,
ele era a cara do Jim
com óculos ray-ban
e olhos lisérgicos.
sua voz grave dizia sandices
que soavam verdades.
meus sinos avisam
que é hora de voar.
meu corvo traz pérolas no pescoço.
sempre algo morre
para outro nascer.
ou apenas tudo corre para mudar.
eu quero ser mais moço
quero andar para trás um passo
e saltar outros longos demais.
minha vida inteira crepita
como papel cheio de versos velhos
e o ruído da destruição é música.
eu me interesso pelo calor do novo
que vem me mastigar.
eu quero rir e deixar a vida cobrar seu preço.
meus sinos avisam
que é hora de voar.
escolho o que mereço.

sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

Para os seus olhos

eu me dispo
como a manhã
estendendo-se sobre a sala.

eu me visto
como o vinho
encorpando-se na taça.

eu existo
como só poderia
depois deste encontro.

e eu me entrego
como oferenda serena
solta no oceano.

O reencontro




Hora do almoço.

O sol tenta se reimpor lento,

esgarça nuvens pesadas de dias de chuva.

Caminho sem pegadas por ruas centrais

e busco refúgio do alvoroço.

Na cave, flano por livros

e peço café expresso sem creme.

Sinto vontade de dizer à minha mulher, agora distante,

que quero um filho, que já é hora.

E então eu ganho um beijo de Sophia de Mello.

E neste trivial encontro com o belo

redescubro que faz todo sentido a poesia.

Eu a deixara antes, entre pedras, desprezada.

E ela volta como vento.

Como as marés do mar, como primavera ano após ano.

E eu – eu que não me deixe mais!




ps.: leiam Sophia de Mello Breyner Andresen, poeta portuguesa, nascida no Porto, em 1919.