quarta-feira, 31 de março de 2010

A corda

Tem horas que eu quero
fazer justiça
com os próprios nãos.

Te negar o que eu quero,
fingir que não espero,
te largar de mão.

Te deixar com tesão
e ir embora,
te deixar na saudade.

Ultimato, xeque mate,
você contra a parede,
ou dá ou desce!




(mas, se você cair fora
do meu laço,
o que eu faço?)

domingo, 28 de março de 2010

Amanhã não existe

Eu perdi.
Tudo o que ofereci:
as vísceras expostas,
a alma nua,
o amor que nunca sentira.
Eu estive bem até aqui –
corpo inteiro, disposto,
as duas faces do rosto
prontas para os tapas.
Você viu e quis,
mas adiou ser feliz
o quanto pôde,
agendou para a vida inteira,
como se a vida estivesse
por começar sempre
na próxima primavera.
O teu amor não ganha energia,
não pede solução,
renova tua covardia.
E você, presa na própria teia,
incapaz de se ver no espelho.
Teu medo não te deixa.
Quem te roubou de si mesma?

quinta-feira, 25 de março de 2010

Façam suas canções

Façam suas apostas
sobre quem terá seus quinze
minutos de fama
sobre quem estará na cama dela essa noite
e quem acordará na lama.

Toquem os acordes
para os versos adormecidos
Dobrem os sinos
pelos amores aflitos.

Façam suas canções
com o fascínio da mentira
e a aspereza da verdade.
O segredo está no tom,
sempre dó maior.

domingo, 21 de março de 2010

Um ao outro

Trabalho encerrado. Sem mais conquistas.
Sem filhos para vivermos a vida deles.
Então ficamos nós dois.
E quando o desejo perder fôlego
teremos as viagens.
E quando não houver mais lugares,
nem disposição,
veremos os filmes
e leremos os livros,
aqueles que não tivemos tempo.
E quando os olhos cansarem
teremos os restaurantes
e os vinhos.
E teremos um ao outro.
E quando não tivermos mais
um ou outro,
ainda assim teremos as memórias.
E quando partirmos os dois
teremos o descanso.
Nunca o nada.

sexta-feira, 19 de março de 2010

Última

Esperança

quando ela põe
reticências
depois de
responder
não.

quarta-feira, 17 de março de 2010

Um drama patético

Foi pra o motel sozinho
masturbou-se
pensando nela
em seguida
telefonou aos prantos
avisando
que tomaria pílulas,
muitas pílulas, várias
misturadas
com doses sem gelo
do uísque falsificado
que havia no frigobar.
Ela sentiu-se culpada.
Aflita, correu para salvá-lo.
Mas você sabe como são esses
engarrafamentos...

terça-feira, 16 de março de 2010

Banho sujo

Tomo banho na espuma
do seu ódio,
algema que te prende a mim.
O amor é uma escolha diária – e
várias renúncias –
mas o ódio, não.
O ódio é uma gosma,
uma teia, uma cola,
areia movediça.
Veneno que se toma
na tentativa de matar o outro.
Você foi ingênua ao
esperar justiça.
Eu sou um mentiroso.

Eu quero seu nojo
e o seu desejo –
aquele bem no fundo do olho,
onde o honesto vence
o contraditório.
Eu quero a ira e o suspiro,
o seu gozo.
O que quer que seja
que não seja morno.
Eu poderia falar de flores
e manhãs de sol
e sorrisos brancos.
Mas o amor me cansa.
Prefiro esta espuma das ondas
que estouram fortes
e salgam meus olhos,
minha boca, meu corpo.
Eu gosto do sabor
desta real e divina imperfeição.

sexta-feira, 12 de março de 2010

Come share my life

Divida comigo o dia,
o pão, a cama.
A dívida, a grana.
Divida comigo a dor, a dúvida,
a certeza.
Divida comigo a alegria,
o riso, a surpresa.
Divida comigo a saudade,
a responsabilidade.
Divida a vontade,
o tédio e o medo.
Divida a rotina,
o sonho, o segredo.
Divida o sentimento,
o plano, o tempo.
Divida comigo a descoberta,
a tarefa, o prêmio.
A preocupação, o desejo,
divida a emoção.
Divida o problema,
a idéia, a solução.
Divida o crescimento,
a criação, a motivação.
Divida a esperança,
o cachorro, a criança.
Divida comigo a casa
e a estrada.

terça-feira, 9 de março de 2010

Erre

Nascer é uma agressão.
Não basta.
É preciso ir contra e além:
fazer os canivetes da chuva
furarem os olhos do sol.
Saquear as torres de marfim,
tornar o sagrado souvenir
e colecionar risadas.
É preciso ser da tempestade,
braços abertos desprotegendo
o rosto, o corpo, o beijo.
Faça!
Mate o conforto!
E fuja irresponsável e inconseqüente
pelos sigilos da noite.
Fuja da burocracia, da rotina, da rima.
Erre a mão na receita da felicidade
e desande o bolo.
Adicione ódio ao bem querer,
inverta a direção do olhar,
ignore qualquer conselho, inclusive este.
Não sirva de exemplo, de modelo ou padrão.
Desrespeite a regra e insulte seu autor.
Não poupe, não se preserve.
Descarrile seu próprio trem,
é impreciso perseguir a eterna distância
até a linha do horizonte.
E lembre-se:
só quem se despede,
permanece.

quinta-feira, 4 de março de 2010

O pedido

Acaso ou destino, eu voto consciente
pelo desatino!
Todos os beijos e os quereres
fazem sentido
quando me vejo frente a você.
Renunciar aos prazeres
é a mais assustadora das escolhas.
E também a mais covarde.
O amanhã é só um caderno
de possibilidades
onde se escreve céu ou inferno.
Eu quero ser o que arde!
Só este tem asas.
O que sinto, guardo em casas
de portas abertas
onde o amor é raridade e oferta.
O único tempo é o agora,
repito o meu presente
e te peço: não vá embora.
Não hoje, não no agora de amanhã,
não na manhã deste agora.

quarta-feira, 3 de março de 2010

O pé sobre o dorso

O ponto final é
o pé sobre o dorso
do animal abatido.
Ainda acelerada batida diz
missão cumprida!
Foi preciso quase serrar o osso,
sentir a dor do gelo sobre a raiz do nervo,
sofrer a culpa pelo erro
e o calafrio da perda,
perceber a queda de cada fio de cabelo
e sorrir sem medo, como quem é feliz.
No amor e na guerra, não há juiz.
Mas há vencedor e vencido.
Ainda ofegante, eu piso,
Você cala, eu quero bis.

segunda-feira, 1 de março de 2010

O seu amor maldito

Está escrito
meu destino maldito:
amá-la ao infinito.

Está no ínfimo
no íntimo
no público
no último
suspiro.

Está na artéria
na matéria
na carne
na pele
na palma.

Está n'alma
como vício
como fim -
nunca início.
Está em mim

inteiro
derradeiro
caminho.