sábado, 26 de fevereiro de 2011

Trilha sonora do inferno

O pernilongo ao redor do ouvido
o tiro na escuridão
o chocalho da cascavel
o chocalho do músico
(o funk, o samba, o axé, a música que você não quer)
o apito incessante do guarda
a unha na lousa
o choro estridente da criança chata
o pranto da mãe pelo filho perdido
o gemido da mulher nos braços do outro
a britadeira rompendo o asfalto
o sopro na caneta vazia
o rato no sótão
os passos na escada de metal
o abre e fecha dos arquivos de aço
o amolador de facas
o sinal dos pratos prontos na praça de alimentação
o aviso de mensagem do Blackberry
o canto do pneu freando sem evitar a batida
a pancada, o som do não
sua voz dizendo que eu estraguei tudo.

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Longe

Meu livro retirado da estante
pesa como tijolo.
Não presta para erguer paredes,
atire-o contra a vidraça.
Caminhe sobre os cacos
e conhecerá meus passos.
Há sol, mas quero chuva de granizo
para lavar meu corpo.
É tão longe pra onde vou.
O que sou o tempo apaga –
até mesmo a lixa áspera
um dia afaga.
Eu serei outro. Eu serei algodão.

sábado, 5 de fevereiro de 2011

Os mesmos olhos

o que sou não
tenho sido.
este que estou sendo
é o que não está
no reflexo do espelho.
este que não está se vendo
permaneceria
invisível ainda que tingisse
o corpo de vermelho vivo.




sobre meus olhos ela diz
que são os mesmos há vinte anos
e eles nada dizem.
ocultam.
são tão somente águas
turvas de raso escuro rio.
quebrei o espelho da alma.
sou bom nisso:
dissimular.
sou
solidão e superfície.