quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

O processo

Entre todas, só uma certeza:
O carnaval acabou em Veneza.
O carnaval acabou no Rio de Janeiro.
É preciso, para ser inteiro,
fragmentar-se, estar em pedaços,
partir pelo caminho passo a passo.

Então, corta-se a música e a rima.
O silêncio me conta tudo em segredo.
Pelos poros, transpiro a escuridão.
Elimino o que preciso, mas já não quero.
Não sei onde estou, mas não estou perdido.
Estou no início, amarrado, seguro.

Deixo o vício como quem troca, não a pele,
mas o espírito.
Visito o inferno e cumprimento
o demônio olho no olho.
Estou aqui!! Grito, mas não me deixo tocar.
Antes disso, firo com lâmina e verbos.

Eu sou eterno. Sou hoje um e outro amanhã.
Renovado. Forte. Pronto. Apto.
E agora, sereno,
em letras todas minúsculas
escrevo uma nova história em que todas
as palavras têm função e sentido.

Capítulo um, versículo primeiro.
Recito o cântico em que o anjo sou eu.
E as folias pagãs e a aleluia glorificam
o homem que segue adiante.
Eu renasço. Eu me transformo e me faço
à minha imagem e semelhança.

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

Presença

Acreditei em mãos entrelaçadas.
Eu estava errado.
Mãos espalmadas são o amor.
As quatro, separadas, postas lado a lado,
de onde tudo parte em entrega
sem esperar retorno.
E onde, sem esperas, o que chega é bem-vindo.
Estar inteiro sempre, sem precisar de nada.
Apenas querendo.
Sabe amar quem vive bem sem amor.
Aqui estão minhas mãos,
aqui estão meus olhos,
meus gestos e eu.
Amor é silêncio.

O baile de máscaras

Foto: Leandro Wirz



Poetas são carcereiros
com gordos molhos de chaves
atados à cintura.
Trancafiam em celas escuras
vulcões que cuspiriam palavras ferventes.
Mas elas saem em desfile calculado,
vestindo máscaras de ferro,
pesadas na balança de precisão,
eleitas pela acurácia dos ourives
na aferição dos quilates
ou pelos ouvidos treinados dos afinadores de piano.
Nada dos trinados anárquicos
dos pássaros pela manhã
ou dos vidros trincados pelas pedras da solidão.
Nestas masmorras sujas
de nobres e vis desejos,
quase tudo dói.
Mas os poetas em atávico desamparo
fingem que apenas espremem espinhas
e tiram cravos do coração.

Onde estão meus rios de lava?

sábado, 14 de fevereiro de 2009

Tochas

Se vai tudo mesmo se acabar
amanhã
sejamos ao menos um pouco
dignamente loucos
hoje.
Se terminaremos mesmo distantes
em estradas que se perdem
façamos deste instante
algo que valha a pena
e nos lembremos de tudo
com um vago e gostoso sorriso futuro.
Vamos fazer com que esta noite
se lembre de nós a cada lua
sem nada dizer ao dia.
É uma chance que passa
de brilharmos fugazes
como estrelas cadentes e fogos de artifício.
Se vamos mesmo voltar a ser poeira,
por que não abrir os braços
e atirar-nos à vida?
Que o vento bata no rosto,
os tambores rufem com força
e o fogo se acenda
em todas as tochas.
Se amanhã serão as cinzas,
que não haja sinal
de arrependimento pelo que fizemos.
Que não fique na boca a secura das ressacas
nem a amargura dos dias não vividos.
Se amanhã o sol
nos levar a caminhos separados
que levemos no peito um ao outro.
Eu vou te respeitar para sempre
por termos juntos sido
dignamente loucos.
E se acharmos que esta noite foi pouco,
ah, isso já é uma outra história.

Vontade

meu olhar te seca
minha voz te molha
minha mão te cerca
minha língua te toca


minha boca te chama
minha perna te segue
minha vontade é de cama
meu corpo te pede

Vidraça

A cada dia que passa,
cada vez que abraça
outro cara,
ah, você me despedaça.
Sua desatenção
é pedra na minha vidraça,
é caco que espeta
o meu coração.
O que quer que eu faça
não espanta
a solidão,
quando você passa
me encanta,
mas você não pára.
Cada vez que abraça
outro cara,
ah, você me despedaça.

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Pique-pega

Então ela me propôs:
Eu vim aqui fugir de você.