domingo, 30 de maio de 2010

Ela não mora mais aqui

Se amar é mudar a alma de casa,
preciso atualizar meu endereço.
Está na palma da tua mão
o que te ofereço,
já é onde pulsa meu coração.
Entregue e alheio
à minha vontade,
obedeço a teu corpo,
não mais ao meu.
Nenhuma dúvida, nem sinal
de arrependimento.
Nenhum lamento.
É a minha escolha.

sábado, 29 de maio de 2010

Apenas

Se fosse natal, aniversário
ou qualquer data pretexto;
se eu tivesse direito a três pedidos
ou a um último desejo,
ele seria uma palavra sua
com a etiqueta da verdade.

Você tem os olhares,
atitudes e movimentos perfeitos
que tanto me dizem e todos me calam.
Mas eu quero uma palavra desembrulhada,
estalada na ponta da língua
como se pronta desde sempre.

sexta-feira, 21 de maio de 2010

A oração que você me ensinou

Meu homem
que estais à espera
chamado seja o vosso nome
venha a mim o vosso reino
seja feita a minha vontade
assim na terra como no céu.
O amor seu de cada dia me dai hoje
perdoai as minhas ofensas
mesmo que eu ofenda
a quem me tem amado.
Deixei-me cair em tentação
e livrai-me do mal.
Desdém.

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Instante

Quantos instantes na vida
explodem em magia e sentido?
Quando os olhos do outro
são espelho sem distorção?
Quando a vida pode acabar
porque atingiu a plenitude
e nem o fim é capaz
de roubar-lhe a eternidade?

Eu quero ser contemporâneo
dos meus sentimentos
perpetuamente.
Sem reparos sobre o que já passou,
sem dívidas a resgatar no que virá
e este presente
mal vivido, incompetente.

Eu quero o que não tive:
intenso, melhor ou pior,
com a coragem da entrega.
Sou ao mesmo tempo – sempre o tempo! –
o abismo, a cobaia e a experiência.

segunda-feira, 17 de maio de 2010

As horas do nada

Invento perfeccionismos
para preencher as horas lentas.
Me armo de palavras solitárias
no espelho
para enfrentar a solidão.
Comemoro cada dia que passa.
Meu telefone não toca aos sábados
e domingos.
É tão difícil viver
e me convencer que amanhã será melhor.
Eu quero ar, quero um objetivo, quero um amigo.
Outras coisas, caras e gentes
que não sejam você.
De não ter, eu estou cheio.

sexta-feira, 14 de maio de 2010

Revirar

As pontas dos pés ainda não tocam o solo
enquanto desço a garganta do diabo.
Com as mãos reviro os sentimentos
até o novo caldo de sabor desconhecido,
temperado com especiarias da dor
e das descobertas.
Tomo posse das minhas perdas.
Emergirei revigorado.

quarta-feira, 12 de maio de 2010

Não, obrigado

Escrevo poemas que acabam em precipícios
Thelma & Louise acelerando o carro
e saltando no vazio.
Meus versos não estancam em muros,
minhas palavras fazem buracos na parede
e você pode ir além.
Nem tudo está escrito,
vá até o fim
e quando acabar, talvez continue.
Filmes de indefinidos finais,
sinais verdes
para a imaginação.
Leia como quiser,
não existem notas no pé da página
nem justificativa para todos os nossos atos.
Talvez haja luz demais,
talvez esteja escuro,
mas à sua frente está
o mundo.
A minha cabeça gira,
faz viagens que você não acompanha,
mas pra mim faz tanto sentido,
é tão coerente, tão claro
como o rio pro mar.
E eu ainda não desisti
de fazer você me amar.
Mas me entender, não, não precisa.

terça-feira, 11 de maio de 2010

O baile de máscaras

Poetas são carcereiros
com gordos molhos de chaves
atados à cintura.
Trancafiam em celas escuras
vulcões que cuspiriam palavras ferventes.
Mas elas saem em desfile calculado,
vestindo máscaras de ferro,
pesadas na balança de precisão,
eleitas pela acurácia dos ourives
na aferição dos quilates
ou pelos ouvidos treinados dos afinadores de piano.
Nada dos trinados anárquicos
dos pássaros pela manhã
ou dos vidros trincados pelas pedras da solidão.
Nestas masmorras sujas
de nobres e vis desejos,
quase tudo dói.
Mas os poetas em atávico desamparo
fingem blasés que apenas espremem espinhas
e tiram cravos do coração.
Onde estão meus rios de lava?

segunda-feira, 10 de maio de 2010

Incompatíveis

Nas linhas incompatíveis dos nossos corpos
viajo vago torpe torto
buscando cais. Não há.
Somos dois e assim permanecemos.
Cada um segue seu caminho
e nem pelos opostos atingimos
o mesmo lugar.
Adeus, amor, ou o que quer que seja
sonho.
Eu quis tanto, você mais ainda,
mas o campo que você tentou percorrer
é terra árida.
Eu não sou seu, eu não sou pra você.
Não deixe que eu mate o seu melhor.
Pedir perdão é incitar a fúria,
não agi quando tive a chance
de escolher outro final.