sábado, 25 de julho de 2009

Construção

Da paixão, cansei, não quero mais saber.
Quero mesmo é amor, feijão com arroz,
construção.
Quero caminhar de mãos dadas, quero casa em obra,
vida a dois, e depois, filhos correndo em volta,
almoço de domingo na sogra.

sexta-feira, 24 de julho de 2009

A tristeza é uma gata

Estou certa que esta tristeza
não me pertence.
Ou não deveria.
Não hoje, apesar da chuva fria
quase estragar a sexta.
Mas deve ser a lua, ou o dia,
e eu faço carinho
na melancolia
como se fosse na cabeça de uma gata
manhosa e independente
deitada no meu colo no sofá.
A fumaça do cigarro dança
ao som da velha música e tudo
me lembra o que não vivi.

quinta-feira, 23 de julho de 2009

As coisas serão eu

Essas tantas coisas que te dou,
essas coisas serão eu.

Sempre tive a sensação de que vou
embora cedo.

Não chega a ser pressentimento.
Pode ser uma vontade.

quarta-feira, 22 de julho de 2009

Eu é que deveria

Mentira se eu disser
que preferia que você
não tivesse vindo.
Mas é quase isso.

Você só faz o que quer.
Nada por mim.
Eu é que deveria fazer:
eu deveria partir.

Eu vou me ferir
ao te deixar.
Não se preocupe:
você não vai sentir.

domingo, 19 de julho de 2009

Mais um

Eu não vi nenhuma estrela,
mas a noite é clara.

Minha vida toda são momentos
que vivi por falta de opção.

Não encontrei o que quero,
não decidi o que ser.

Tenho a impressão
de não estar sendo eu.

Escrevo versos displicentes
para atravessar os dias

Cara velha à deriva
rumo à terra prometida.

Ninguém prometeu.
Tudo inventei.

quarta-feira, 15 de julho de 2009

Desassossego

Minha tormenta detrás dos olhos e
a rotação aleatória dos significados
fazem a permanente desconstrução do que sou.
Eu prego placas de sentidos
que não formam figura alguma,
meto as mãos precisas
na massa
e despejo o tempo
a fabricar poemas
inúteis
rogando por silêncio para os olhos.

terça-feira, 14 de julho de 2009

Sinceramente

Você sempre disse
“eu te amo”
com responsabilidade?
Confesso que não.

E ainda hoje, ao te ver,
as palavras se penduram
na ponta da minha língua,
sinceras e inconsequentes,
antes do beijo.

Impagável

Como fazer poesia
num aula de finanças?
Perco tempo
como dinheiro.
Não se faz poesia
com economia de sentimentos.
Eu me endivido
em busca da palavra
exata
como nem os números são.

sábado, 11 de julho de 2009

O dia perfeito

Você me aprisiona no eterno presente
de anúncio ou calendário estático.
O mesmo dia perfeito
se repete indefinidamente
e repele o futuro que nos pertenceria.
Vivemos da memória do hoje,
da hipótese da manhã que não chega.
Giramos num círculo de dois, giramos,
ciranda que não se move,
carrossel de vontades renovadas e irrealizadas.
Nuvem negra que o vento não sopra,
e nem deságua forte sobre nós.
Não brotam flores.
Você me mantém vivo em suspensão
na exaustiva repetição do prazer no mesmo dia perfeito,
e da mesma dor provocada pelo futuro rarefeito.




trilha sonora sugerida: "Perfect day", de Lou Reed.

A porta



Sabe a lágrima que não cai?
Eu coleciono.
Você já olhou fundo na cara
do abandono?
Aposto que não e também nunca
perdeu um jogo.
Acho que você fugiu
depois de tocar fogo.
E nunca deu com o nariz na porta
quando tudo que queria era uma brecha.
Alguma vez uma única flecha
te atingiu ou todas acertaram a maçã?
Alguma vez alguma manhã
não te sorriu?
Você já dividiu a calçada
e chorou e riu
da ironia do destino,
da ausência de sentido?
Não, você é tão amada
que não sabe.
é mais que isso,
mas não cabe.
O que te importa
se me sinto excluído?
Nunca deu com o nariz na porta.

quinta-feira, 9 de julho de 2009

Pedra vogal

Trago uma pedra nas vocais.
Afago a vogal presa,
espero que escape ilesa:
bastaria a primeira letra
para puxar o resto.

O amor dita o que sou
e você está onde eu não estou.
O silêncio imposto
vira página e lágrima no rosto –
a vogal ainda presa à pedra.

Sentindo dor.

Ventura

Se por ventura, tivermos tempo, será na sexta.
Se por vontade, tivermos hora, será melhor.
Se por verdade, sentirmos desejo, nos tocaremos.
Se por virtude, formos justos, ficaremos juntos.
Se por vaidade, nos evitarmos, perderemos.
Se por vício, mentirmos, repetiremos o erro.
Se por veleidade, nos beijarmos, nos encontraremos.
Se por sorte nos acharmos, permaneceremos.
Se por acaso, tivermos chance, aproveitaremos.

Samba gótico

Para você, escrevo um poema erótico
inspirado pela sagrada libido
onde nada é proibido.
Componho um samba gótico
pros que vestem preto sob o sol,
mas gostam de sambar escondidos
na sexta-feira vestidos de branco.
Calçam tamanco ou sandália plataforma
e requebram as formas e os conteúdos.
Para você, faço um som híbrido e exótico,
mistura maluca de tudo
que faz o corpo balançar
e a alma renascer.
Por você, deixo de ser pernóstico,
paro de me esconder
no que esperam meus rígidos amigos
e me reduzo a ser somente eu.
Me amplio.
E, livre, posso ser só
meu e seu.

segunda-feira, 6 de julho de 2009

DR

Ela escreveu:
"Estava recém semeada quando a reguei com um balde d´água
Era para ser amor, mas morreu afogada" *


Respondi:
A menina pensou que fosse
flor e regou.
Tola, fogo é o elemento do amor.


E fomos felizes para sempre,
cada um pro seu lado.



* versos de um poema de Cecília Calvoso.

quarta-feira, 1 de julho de 2009

Dois

Saudade dos olhos que me comem.
E das suas mãos firmes, ousadas,
que ignoram negativas.

Eu jamais seria sua,
você é incapaz de ser de alguém.
Eu não te quero mesmo.

Mas hoje, aqui sozinha,
duas taças de vinho,
ao menos seus dedos em mim.

Sementes

Eu quero me despir de mim.
Não apenas das vestes, dos pêlos,
dos vícios, mas das agressões,
das guerras pretensamente leais,
dos autoflagelos.
Deixar de praticar os meus rituais,
os meus crimes favoritos, os mesmos
desde sempre, que nem as culpas, nem as penas
evitam a reincidência.
Eu sempre semeei vento.
Eu quero me despir de mim.
Eu deveria.