segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

A minha verdade

Estamos todos soltos no labirinto do Minotauro.
Soltos não.
Despejados aqui para a cruel diversão de deus ou do destino,
ratos em seu laboratório.
A cada paixão, tenho a miragem de uma janela,
ilusão de esperança e liberdade.
É apenas a hora de sol,
o passeio no pátio do cárcere.
Devo me amarrar à árvore no deserto
e, em silêncio, jejuar por luas,
até que brote a nascente da rocha.
A minha verdade.
Eu não sei fazer silêncio.
Calar o pensamento e soltar a voz
da intuição.
Eu venho tentando sentir o gozo
e a dor no corpo.
Mas é preciso navalhar abaixo da pele.
É preciso o rasgo.
A liberdade.
O que seja sentimento sempre renovado
e não o vício da emoção
repetida em doses mais fortes
em intervalos mais curtos.
Tudo que eu dei até hoje foi a minha vida.
Em vão.
Eu não vivi.
E jamais amei.

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

My way



Almoçarei sozinho aos domingos:
filé ao ponto para bem, com guarnição à francesa
e duas cervejas
no restaurante de sempre,
onde os garçons já me conhecem pelo nome.
Voltarei a pé para casa
e assistirei sem muito entusiasmo
ao jogo do Flamengo na TV.
Ou a algum filme no cinema perto,
se estiver disposto.
Mais tarde, lerei um pouco, navegarei
pela vida alheia nas redes sociais
e deitarei, depois de ouvir “My way”,
sem que o telefone tenha tocado sequer uma vez,
sem ter trocado palavra com ninguém
que não sejam os porteiros, os vendedores e os garçons.
E serão só eles que, em um domingo qualquer,
notarão que eu não fui mais.

sábado, 14 de janeiro de 2012

O dom da dor




Nem que eu deite a cabeça em seu colo
Nem que eu chore no seu ombro
Nem que você me dê seu sorriso mais lindo
Nem que você me abrace até estalar a coluna
Nem que você diga o quanto me ama
Nada pode diminuir esta solidão.


Nem que a casa esteja cheia de gente
Nem que a música esteja no máximo
Nem que a festa vá até de manhã
Nem que você me devore com a vontade
dos desejos urgentes
Nada pode diminuir esta solidão.


Nem o vento minuano refresca
o abafado desta noite avessa.
Hoje, a noite é não.
Completamente.
Sou o leão. Sou a jaula.
O domador. A dor.

Tudo que tenho feito




Seria mentira se
eu dissesse que não gosto
de despedidas.
A única que doeu de verdade
foi minha própria partida,
o dia em que eu calei,
mas sabia que me dizia
adeus.
Nunca mais fui eu.


A gente não foge de pessoas,
não evita situações,
a gente só foge de si,
como se esse encontro não fosse inevitável.
E agora que passei da metade da vida
não posso mais ser tão distante de mim.
Há tantos anos repito
a mesma ciranda insana,
o mesmo circo, o velho carrossel.

Eu nunca cresci ou construí
e agora estou tão cheio de nada.
Ainda que eu não consiga mais me enganar,
ouço forte o chamado da estrada.
Seria mentira se
eu dissesse que não gosto
de despedidas.
É tudo que tenho feito na vida.
Nunca me vi nos olhos de ninguém.

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Dogma


Aprenda
a minimizar suas vontades
reduza
seu tudo
ao essencial,
ao que couber
numa única mochila.
Desconsidere fronteiras,
e ganhe o mundo.
Deixe rastros –
despretensiosos como pegadas na areia –
nunca restos.
Descarte
a saudade e o arrependimento,
completamente inúteis
como a arte.
Sê todo, como escreveu o poeta,
e não parte.
Parta
e volte sempre
nu ante o espelho,
nu como te vejo.

Quando tudo tinha acabado


Ela não sabia o que dizer
e entrecortou o silêncio –
sua aflição, meu conforto - 
com as lâminas das palavras
de amor.