sexta-feira, 24 de abril de 2009

A velha rua

Desço a rua velha conhecida,
sei onde vai ela vai dar
como todo rio corre pro mar.
Eu posso mudar, eu posso, eu juro,
eu posso me regenerar,
mas eu aqui estou com meus vícios,
meus humores e contradições,
e nem mesmo eu acredito mais em mim.

Desço a velha rua com o mesmo charme,
com o cinismo de sempre
e os desejos de hoje.
Você me olha, pensa me querer,
mas não caia na besteira de me escolher:
eu sou o caminho errado,
a via torta, o lado selvagem,
o pé no abismo, o salto no vazio.

Desço a velha rua conhecida até o prazer.
Sei onde ele está,
como coisa que nunca muda de lugar.
Sei o preço e você não vai querer pagar,
custo caro e não valho nem um terço disso.
Ouça o aviso: quando cruzar comigo,
troque de calçada e dobre na primeira esquina.
Não olhe para trás.

Este

Foi bom enquanto durou
é o melhor clichê
a ser dito
na despedida.
A gente nunca se iludiu
que seria infinito,
mas sempre quis
que fosse bonito
até o último beijo.
Este, de adeus.

Talvez a gente leve
um gosto de quero mais,
mas que seja breve
pensar na possibilidade
do que poderíamos ter sido.
E a gente releve
a saudade
porque a vida segue
e amor vem outro.
Este, é seu.

Foi.

quinta-feira, 23 de abril de 2009

A aurora doeu



Em 23 de abril de 1987, aos 18 anos, lancei meu primeiro - dos até agora, cinco - livros de poemas. Então, publico hoje alguns textos daquele livro: Poema do Espelho, Janela e A aurora doeu. Já postei aqui, em setembro de 2008, o poema Engenharias, que também integra o livro.



Todo mundo se diz tão bom,
quase todos não são.
E eu sou tantos
e sou só um,
nas noites e dias sem rumo,
um homem à procura de si.

Deve haver luz no fim da confusão,
se tiver fim essa indagação.
Como um sol que nasce,
a resposta sairá de mim.
Eu tenho vida,
quero ser feliz.

Os sonhos me levam aos édens
e o mundo me corta as asas.
Se você visse por trás
da máscara dos meus sorrisos
talvez entendesse melhor
porque estou fazendo isso comigo.

Eu derramo emoções
para não me afogar nelas
e mergulho fundo
tentando me encontrar.
Não sei se estou certo,
sigo sem saber aonde parar.

Eu quero amor e quero paz,
eu quero muito mais.
Quero ser quase deus,
quero explodir.
A aurora tá doendo.
Dói tanto.

Janela

Há os fortes
também os fracos
eu eu penso na vida
na solidão em mim.

Há os corajosos
também os covardes
e eu penso na morte
talvez seja melhor assim.

Quando olho pela janela
imagino a liberdade e vôo
louco para o renascer
não definitivo fim.



(Letra: Leandro Wirz / Música: Alair Drummond)

Poema do espelho

Fico horas em frente a você.
Não, não sou um narciso.
Permaneço sem desviar o olhar
só porque estou um pouco indeciso.

Talvez eu te ame por me refletir
ou te odeie da mesma forma
por me mostrar, me exibir
sem censura ou máscaras.

Até que com um soco te faço mil
e tu me fazes um corte e sete anos de azar.
Busco, reviro, cato entre os cacos.
Talvez me ache em algum lugar.

quarta-feira, 22 de abril de 2009

O pé sobre o dorso

O ponto final é
o pé sobre o dorso
do animal abatido.
Ainda acelerada batida diz
missão cumprida!
Foi preciso quase serrar o osso,
sentir a dor do gelo sobre a raiz do nervo,
sofrer a culpa pelo erro
e o calafrio da perda,
perceber a queda de cada fio de cabelo
e sorrir sem medo, como quem é feliz.
No amor e na guerra, não há juiz.
Mas há vencedor e vencido.
Ainda ofegante, eu piso,
Você cala, eu quero bis.

terça-feira, 21 de abril de 2009

Garganta do diabo

Motivado pelo teu desamor
eu desço à minha garganta do diabo.
No quarto vermelho,
abraço meu demônio azul
com respeito e afeto
antes do conflito.
Eu vim olhar nos olhos da dor
vim buscar as minhas razões,
encontrar o que perdi
ou o que nunca tive.
Eu estou tentando
desesperadamente
me manter de pé,
e, no fundo, sei que estou
completamente só.
Neste quarto escuro,
neste deserto,
nem meu nome eu sei.

segunda-feira, 20 de abril de 2009

O mero, o belo e o fugaz

A beleza é a única virtude
capaz de justificar em si
a existência.
O belo é, por natureza, fugaz.

Ao tempo não se pretende vencer,
adversário que já foi ou ainda virá,
armado de ardis e máscaras
que lhe ocultam a face.

À feiúra que agride os sentidos,
declara-se guerra.
E há o sacrifício de tantas vidas
e o espetáculo de tantas mortes.

Fazer o belo é tudo
que se pode pretender:
por isso, meramente,
o amor e os fogos de artifício.

domingo, 19 de abril de 2009

Certeza

Da uva passa dos dias
eu faria vinho
para embriagar tua vida
E clarabóias permissivas
rompendo os breus
e os enigmas castanhos
dos teus olhos.
Desbravaria teus paraísos
igualmente
erguendo moradas provisórias
como a felicidade é sempre.
Inverteria a rotação da terra
para manter a pino o sol –
enquanto houver sol,
eu serei teu.
E eu inventaria outro idioma
no qual compreenderia os silêncios
e eternizaria teu nome
rimando com beleza.

sábado, 18 de abril de 2009

Placidamente

Atestam meus olhos plácidos
que não há gordura sob minha pele
a preencher os entreossos.
Há hiatos, vácuos,
entre o plasma, o sangue
e músculos flácidos.
Exceto o coração.
Este tem o vigor imprudente
dos ousados,
dos quixotes frente aos moinhos
cruéis e ácidos.

quinta-feira, 16 de abril de 2009

Eterno retorno

No fundo do meu olhar,
a tristeza, mais antiga hóspede,
está de volta.
Eu pedi que retornasse.
A casa ficava tão vazia.

O que guardo há mais tempo
é também o meu futuro.
Em essência, é o que sou.
Quando o sol apareceu,
eu fechei a cortina.

domingo, 12 de abril de 2009

Ao terceiro dia

Existe - tem que existir! -
algo melhor que versos tristes
pra eu dar a quem estiver por perto.
Decidi que vou ser feliz.
Vou descobrir o que é certo,
andar sobre os trilhos,
caminhar reto
e persistir.
Façam suas apostas,
eu vou à vida!
Hoje é a minha Páscoa.

sábado, 11 de abril de 2009

Estética asséptica

Viro a página e encontro o branco.
Tudo muito limpo, plano e esguio
como convém, mas não quero.
Estou farto de objetos sem funcionalidade
ou alma dispostos nos shoppings estéticos
da hipermodernidade.
Estou cansado do seu amor
como jogo de estratégias e filigranas
e do seu comportamento ditado.
Estou enfastiado por tantos programas
e por teu sexo asséptico
em ambientes estéreis, porém bem decorados.
Permaneço à espreita de céus com nuvens
de chuvas de verão
prenhes d’água e sentidos.
Quero encontrar na face do outro
a parte perdida
da minha humanidade.

sexta-feira, 10 de abril de 2009

Repaginada

Se esta não é a sua primeira visita, certamente notou que eu mudei o leiaute do blog para que a navegação ficasse mais amigável e atraente.

Se curtir, dê a dica aos amigos. Se não gostar, indique para os inimigos.

Aproveitei a repaginada para inserir à direita, mais abaixo, a possibilidade de você, leitor(a), assumir que é fã, e se tornar “Seguidor” do blog.

Então, sinta-se convidado(a) a me seguir por estes mares, lembrando que, como escreveu Oscar Wilde no prefácio de O Retrato de Dorian Gray, “os que buscam sob a superfície fazem-no por seu próprio risco”.

E navegue também pelo meu outro blog: www.mardecoisa.blogspot.com

Graveto

Foto: Leandro Wirz

Sou qualquer graveto,
miúdo pedaço de galho partido,
perdido de árvore seca.
Estou aos montes espalhado
pelo passeio público,
pelos atalhos do outono
estalando sob passos apressados
dos pisantes distraídos
e distantes.
O fogo é o único amigo do diabo.
E também o meu.
Me permite derradeiro e digno suspiro
no crepitar em noite de lua.
E viro fumaça no ar
ainda ouvindo sua voz se afastar
entre acordes tristes.

quinta-feira, 9 de abril de 2009

Unguento

Cubra-se com esta folha
como unguento
sobre cada ferida.
Campo de força, bolha
isolando o tormento
da dor sentida.
Medicamento
para estancar
o que se esvai.
Corrente de vento
para levantar
a poeira que vai.
Sortimento
de ervas, chás,
remédios de cura.
Momento,
a hora má
arde mas não dura.
Lamento
pela cicatriz
sobre a pele lisa.
Fermento
para ser feliz
é olhar para cima -
firmamento
vale a pena
mesmo contra o sol
Eu tento,
palavra ainda que pequena
é macio lençol.
O verbo que foi navalha
sofrimento
braço da vontade de cair
agora valha
como alento
abraço com desejo de sorrir.

Ao natural

Todos me querem brilhante,
não o que sou antes.
Todos me querem especial.
O que sou ao natural
é mais vício que virtude.
Sei qual a atitude,
falta a coragem
para pagar pela passagem.

Nada de amor, fortuna ou sorte,
nas noites de ano novo, peço a morte
do que não sou, mas tento.
Nesta manhã eu me reinvento
sigo livre junto ao meio fio
e você pode dormir enquanto eu guio.

Leoa

Quero te decifrar
e te devorar
quero te conhecer
e te amar,
não sei a ordem.
Devolve a poesia que te dei,
ela me custou caro.
Faz valer o que ainda não paguei
e que seja raro.

domingo, 5 de abril de 2009

Ela

Grafite de Marcella França. Foto: Leandro Wirz




Ela é todas as folhas avermelhadas do outono.
Perfeita demais para o sonho
que venho tendo a vida inteira.
O mundo ficou bonito
na vitrina dos seus olhos de gata.
Tudo se tornou possível quando a abracei
e me senti em casa.
Ela mudou para sempre o que sou
e o que serei:
livre de mim mesmo,
fiz-me dela.

sábado, 4 de abril de 2009

Um cara comum

Sigo a penúltima moda
faço crediário no hipermercado
gosto de beber com meus amigos
grito pelo meu time
luto pelo meu país,
até já acreditei em governantes.
Troco apelidos ridículos com meu amor
fumo mais do que deveria
trabalho duro
ganho menos do que gostaria
pago impostos
e quase todas as contas em dia.
Estudo,
mas não sei tudo.
Sonho com uma casa
e em dar aos meus filhos o que não tive.
Acho que Deus existe,
mas faz tempo que não rezo.
Assisto a TV aos domingos
visito minha mãe
e como macarrão.
Durmo logo depois de gozar
passo férias na praia
faço misérias com a bola nos pés
dou esmolas
leio jornais, mas não livros,
e não perco a esperança de um dia
viver num mundo melhor.

O amor pulsa na quietude

E de nada mais servem palavras
incapazes de aprisionar o seu cheiro,
de fixar o sorriso entre os lábios
e a cor do seu olhar.
Finalmente, me dou conta da inutilidade
de tudo que não é silêncio.
O amor pulsa na quietude
de simplesmente ser.
Dispensa legendas, discursos
e todos os livros na estante.
Cala-me.