sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Guardar

Eu fiz o que pude,
mas creio que não foi o bastante.
Eu não fiz o meu melhor.
Quis, insisti e quase aflito,
beirei o limite da inconveniência.
Então esta é uma canção de desculpas
por minhas faltas e excessos.


Já foi uma canção de desejo
e receio que será pra sempre.
Também foi uma canção desesperada
em meio a vinte poemas de amor.


Esta não é uma canção de despedida.
Mas é canção de desistência.
Toque de retirada
por tantas batalhas perdidas.
É uma canção de declínio,
discreto recolhimento
até o silêncio.
Estou tentando aprender
que é melhor assim:

apenas guardar você em mim.

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

A volta do filho pródigo

O diabo me protegeu com seu abraço,
rugiu suave, morno e com alívio.
O bom filho à casa torna.
Eu tentei ser bom,
mas caí mais que três vezes.



Deus me deu a maldição do desejo
mais que a graça do talento.
Desisti de tentar ser quem não sou.
Você esperava demais de mim.
Eu também.

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Estio

Semente no estio
aguardo tua chuva
promessa de colheita
na próxima estação.


Corpo vazio
à margem do olhar
que reacende lareira
remota no coração.


Quero teu cio
como quem espera
o sol queimar
no alto verão.


Sigo vadio
ruas meio escuras
não pelo lado selvagem,
mas ao lado da solidão.

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Dance

A noite acesa em
sons e cores,
efêmeros odores
e amores.
Lindas louras e sexys
gays dançam
na minha frente
indecentes incandescentes
roçando corpos quentes
na minha perna, nos meus dentes.
Eu não tenho mais libido
para acompanhar o seu ritmo.



A melhor maneira de conhecer
alguém é à meia-luz.
Não se revele
não me descubra
deixa que eu te invente
nova e novamente
dançando rente
ao meu corpo, ao meu
inconsciente.

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

não há

na minha vida redonda sem aresta
que roda feliz na faixa
não há porta, janela ou fresta
por onde ouvir o que você me diz em baixa
voz de vermelho veludo.
não há espaço para tanto,
não dá para ser essa festa
não há sequer um canto
livre onde caiba
pouco, muito ou tudo.



mas o desejo insiste bandido
com uma tapa na testa
que não dá
pra ignorar
e você me provoca
roça enquanto dança
e beija na boca.
e evoca o melhor
do pior que há em mim,
se houvesse algum mal.

domingo, 5 de dezembro de 2010

Mulher Invisível

O que sei sobre ela
é quase
nada.

Só o que está ao alcance
dos olhos e,
quisera eu,
dos outros sentidos.

Olhos verdes,
cabelos castanhos,
pele branca,
corpo bem desenhado
sob a estampa do vestido.

Esmalte escuro nas unhas bem feitas
dos dedos que seguram o cigarro.

“O essencial é invisível aos olhos” -

está anunciado em francês
como enigma
na tatuagem em torno do seu braço.

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Mob

Como os mafiosos
dos bons tempos
nos restaurantes
das grandes cidades,
eu entro em relacionamentos
procurando a saída.

E jamais sento de costas para a porta.

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Eu deixei

Fugiu ao controle,
saiu dos planos,
traiu a palavra,
não fez o combinado.

Caiu da cama,
rolou pelo quarto
está na sala
querendo ganhar a rua.


A história está no que omito.
É só isso, repito e minto.
Mas a verdade é que já faz tempo
que eu deixei de não te amar.

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Madeleine

Ele usa ternos escuros,
trabalha doze horas por dia
e lida com números.
Conhece charutos e vinhos,
também secos.
Tem a expressão severa
e não perde tempo com bobagens.
Casou-se com Madeleine
e tiveram três filhos,
todos já crescidos.
Há um ano, Madeleine o deixou
por alguém mais jovem
e menos cartesiano.
Aparentemente, ele ficou bem.
Mas esta noite, ao meu lado,
ele chorou ouvindo jazz.

domingo, 31 de outubro de 2010

Situação

Cansei de me desamar.
Rio agora
para depois ficar alegre.
Esqueci que estou triste.


Lembro que ainda te amo.
Sei que te odeio.
Cuidado.
Cansei de me desarmar.

sábado, 30 de outubro de 2010

O cego

O cego e sua mulher
passam céleres por mim.
Sua bengala não toca o chão.
Nem eu, olhos arregalados
ao meio-dia,
caminho com tanta certeza.

terça-feira, 26 de outubro de 2010

Garganta do diabo

Motivado pelo teu desamor
eu desço a garganta do diabo.
No quarto vermelho,
abraço meu demônio azul
com respeito e afeto
antes do conflito.
Eu vim olhar nos olhos da dor
vim buscar as minhas razões,
encontrar o que perdi
ou o que nunca tive.
Eu estou tentando
desesperadamente
me manter de pé,
e, no fundo, sei que estou
completamente só.
Neste quarto escuro,
neste deserto,
nem meu nome eu sei.

sábado, 23 de outubro de 2010

Fatale beauté

Sou poeta de notas sujas,
não elejo musas
a quem dedico românticas elegias.
Minhas paixões são escusas.
Não entendo de alegria -
mas de dor, mentira e sombra.
A mais bela imagem que vejo
- à beira do desejo ! -
é a lágrima que verte pelo rosto
de uma linda mulher
ferida por quem ama -
A face do desgosto.



Ah, e eu gosto de beber pinga na mesa do bar.
Just like my daddy.

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Ameno

Amor
sem sombra,
sem filtro,
sem óculos protetores.

Sol que queima,
arde,
cega
e fere.

Hora do sol
baixar,
se pôr,
se recolher.

Receba
minha lua,
igualmente tua,
acolha o sereno

sobre teu corpo moreno.
ouve o que calo.
Entende que te guardo
para uma nova manhã

branda, suave,
fresca como a primavera.
Quando as flores findam
tão longa espera.

terça-feira, 14 de setembro de 2010

Engenharias

Geometrias frias
expostas no seu olhar
paredes de concreto geladas
erguem-se entre nós
mecânicas engrenagens que movem seus carinhos.
Só. Sem calor algum
Frio. cimento frio.
Química da morte,
negra e cinza,
estruturas vazias
fomos nós dois.
Circuitos em curto.

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

rejunte

tinha quem achasse graça
daquele casal que havia encontrado
harmonia numa multiplicação muito peculiar
das próprias desarmonias.
definitivamente, não foram feitos um para o outro.
transformaram isso no motivo para viver infelizes lado a lado,
a vida inteira.


tinha quem não visse graça
naquele drama do casal desencontrado.
- “conseguiria viver assim?” ela me disse.
- sem chance, respondi de pronto.
mal consigo viver feliz ao lado de alguém
mal consigo viver feliz ao meu lado
mal consigo viver feliz
mal consigo viver.
sem chance.





com versos roubados de texto homônimo, de Paulo Paniago, in http://desaforos.wordpress.com/2010/09/05/rejunte/#comments

terça-feira, 7 de setembro de 2010

Amanhã eu volto

Deixo o quarto, a casa,
a varanda
e me coloco onde gosto.
Toda noite me boto
junto ao fogo
e a cada vez aproximo
mais o corpo,
perto o bastante para ver
a chama no fundo do seu olho.



Ficamos assim toda a noite,
cara a cara, frente a frente,
olho no olho.
Você está do outro lado do fogo.
Então eu refaço o caminho
até o quarto
e me deito onde posso,
onde há mais conforto que calor,
e também é lugar que gosto.

domingo, 5 de setembro de 2010

Fase II - Paixão

Eu já contei estrelas,
ovelhas,
grãos de areia
na ampulheta.
Já deitei na grama
só pra namorar a lua
e esperar a noite da tua vinda.
Dormi na rede
pra me embalar com tua ausência
sempre tão presente.
Procurei palavras
no quebra-cabeças do silêncio
e vasculhei palheiros
em busca de agulhas
precisas pra te tocar.
O que eu preciso
é da exata imprecisão
do teu sorriso,
do teu olhar cheio d'água
me dizendo do teu amor maior
que ocultas e do gozo que ostentas
acintoso
em minhas mãos.
E deste torpor
de vulcão adormecido
querendo varrer pompéias
de solidão.



http://leandrowirz.blogspot.com/2009/03/parte-i-atracao.html

domingo, 29 de agosto de 2010

A chegada

Os carros passam
os caras comentam
as meninas invejam

Os carros diminuem
os caras despertam
as meninas detestam

Os carros buzinam
os caras assobiam
as meninas resmungam

Os carros param
os caras olham
as meninas fulminam

Os carros freiam
os caras festejam
as meninas fazem cara feia

Os carros batem
os caras babam
as meninas beliscam

Eu sorrio
você ajeita o cabelo
e me dá a mão pra atravessar a rua.

sábado, 21 de agosto de 2010

Estar onde estou

O avesso da ressaca é o êxtase.
Estar onde estou agora.
Sem hora de ir embora,
sem pegar trânsito
para sair do transe.
Eu quero ficar no que há
de sublime no ar.
O momento quente
congelado no tempo.
Você me dá um doce,
pedaço de paraíso torto.
Não saio daqui nem morto.
O avesso da morte é o amor.

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Ventura

Se por ventura, tivermos tempo, será na sexta.
Se por vontade, tivermos hora, será melhor.
Se por verdade, sentirmos desejo, nos tocaremos.
Se por virtude, formos justos, ficaremos juntos.
Se por vaidade, nos evitarmos, perderemos.
Se por vício, mentirmos, repetiremos o erro.
Se por veleidade, nos beijarmos, nos encontraremos.
Se por sorte nos acharmos, permaneceremos.
Se por acaso, tivermos chance, aproveitaremos.

domingo, 15 de agosto de 2010

Nunca seja minha

Não seja nada
além do que é.

Guardo o que admiro,
não o que possuo.

Nunca seja minha.
eu te perderia.

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Zelo

Cuidado.
Precaução, prevenção.
Prudência, zelo.
Medo.
É assim que escovo o pêlo
do que sinto,
com receio de que se desprenda
da língua
e escorra pelos seios
até que toque o chão e role
como pérola
de colar partido.
Eu não suportaria me despir de você.
No entanto, o que tenho
já está perdido.

sábado, 31 de julho de 2010

Tarde

Eu lamento as palavras
que escolhi.
As mais certas
eram as que não foram
ditas.

quinta-feira, 29 de julho de 2010

Quem tem

Só acredito que você virá quando entrar.
Aprendi com tuas faltas a esperar menos.
E amar sem esperar é ainda mais generoso.

Amor desesperançado,
desiludido, realista, imperfeito.
O melhor que há, o mais verdadeiro.
Quem tem menos a perder tem mais a dar.

terça-feira, 27 de julho de 2010

Da solidão desta noite - I

A voz de veludo líquido
não mata a sede,
é verde musgo na parede,
é a saudade dela,
é a chuva na janela da casa
no cair da tarde cinza,
no amor grená.
É o verso que ainda virá
do amor que se deseja.
Eu amo você
seja quem for que seja.

domingo, 25 de julho de 2010

(des)Perfeição

O sangue pinga
sobre o vidro
e escorre lento
como me sento
recostado à parede.
Como eu me sinto,
quem sabe?
Quem liga
o alarme,
o telefone?
Nem sequer uma carta
sob a porta.
Apenas letras mortas
as leis, as juras que fizemos,
as sepulturas que se visitam
uma vez por ano.

Passei tantos anos
tentando destruir a perfeição
que, enfim, consegui.
Entre flores eu sou tão pálido,
envelhecido, amarelado,
páginas de livro
sem final feliz.

terça-feira, 20 de julho de 2010

Que seja o amor

Que seja a certeza
a razão,
que seja a confiança
na intenção,
que seja a segurança
da união.

Que seja a graça
do nosso humor,
que seja o riso
em nossas bocas,
que seja a diversão
em nossa rotina.


Que seja a companhia
para os momentos,
que seja o dia-a-dia
ao longo da vida,
que seja o abraço
em todas as horas.

Que seja a cumplicidade
nos pensamentos,
que seja a afinidade
dos sentimentos,
que seja a intimidade
da nudez.

Que seja o desejo
este insaciável,
que seja a sintonia
no prazer
que seja a alegria
das descobertas.

Que seja o apoio
para as escolhas,
que seja a saudade
para a ausência,
que seja o incentivo
para o caminho.

Que seja o amor
a tua iniciativa
Que seja a vida
a tua opção
Que seja para ficar
a tua vinda.

domingo, 18 de julho de 2010

Eu volto pra sempre

Eu achei que não fosse,
mas voltei,
não consegui evitar
o retorno ao porto do meu lar.
A diferença é que você
não estava lá pra me abraçar.
O vento é o ar
que não pára no mesmo lugar.
Eu voltei à mesma página
onde paramos de ler.
Eu voltei a te escrever.
A diferença é que você
não vai me responder.
A casa estava lá abandonada,
minha asa agora quebrada
e você, onde é que está?
Eu vou ficar,
eu vou te esperar na nossa cama
enquanto a grama cresce ao redor
e o sol faz mudar a cor da terra.
E você, por que não me espera?
Se eu volto sempre
ao mesmo lugar,
se eu venho pra sempre
te encontrar.

quarta-feira, 14 de julho de 2010

Hora certa

Se tivéssemos nos conhecido antes
Já estaríamos perto do fim.
Prefiro assim: sermos o durante.

domingo, 11 de julho de 2010

Ela (não) quer

Eu anuncio o começo,
lhe abro o caminho
estendo o tapete
mas ela antevê o tropeço.
E entre as dúzias de rosas
ela enxerga só o espinho
e ouve o falsete, o mínimo
desafino da canção.
Ela se prende ao deslize,
se agarra ao fio da esperança
da contradição.
Negar a vontade é negar-se,
É querer ser o que hoje não.
Melhor não.

Onde pulsa desejo, ela projeta culpa.
Eu rejeito a renúncia
cada defeito é tão meu como
cada virtude
Eu sou assim, sou a sina,
a verdade pura do corpo é luxúria
- delito, febre, loucura -
mas ela não quer perder a razão.
Melhor não.

terça-feira, 6 de julho de 2010

O fio

Não acho o começo do poema
nem o caminho de casa.
O fio da meada
pode estar no verso da moeda,
mas não é preciso renunciar à coroa.
Basta seguir o rastilho do pavio,
o rastro do animal no cio,
a corrente do rio.
Basta escolher andar
no fio da navalha,
por qualquer trilha,
porque todos os caminhos
levam ao amor ou
qualquer coisa que o valha.

terça-feira, 29 de junho de 2010

Da redação

tenho escrito não poemas
e tenho vivido poemas não escritos.

sábado, 12 de junho de 2010

Certeza

Da uva passa dos dias
eu faria vinho
para embriagar tua vida
E clarabóias permissivas
rompendo os breus
e os enigmas castanhos
dos teus olhos.
Desbravaria teus paraísos
igualmente
erguendo moradas provisórias
como a felicidade é sempre.
Inverteria a rotação da terra
para manter a pino o sol –
enquanto houver sol,
eu serei teu.
E eu inventaria outro idioma
no qual compreenderia os silêncios
e eternizaria teu nome
rimado com beleza.

quinta-feira, 10 de junho de 2010

Paredes

Arranhei as unhas
nas paredes de vento
dos teus versos
e quis gritar.
Eu não grito nunca.
Nem rasgo, nem agito,
nem me atiro.
Eu visto camisa de força
até para dormir
e sou pássaro preso
em caixa preta.
Balanço as mãos nervosas como asas
mas nem nada.
Entra luz pela janela,
eu acendo velas perfumadas,
eu também invento belas
e eu ainda iço velas
nas paredes de vento
do meu reverso.

domingo, 6 de junho de 2010

Nada original

Não sou nada original.
Sou liquidificador vital
para amélias modernas.
Antenas.
É com isto apenas
que escrevo poemas.
Mais honesto dizer que roubo.
Às centenas, milmilhareslhões
de palavras, entonações,
vírgulas, versos, emoções.
Cantilenas.
Cacos de melodia enterrados na memória.
É da ausência –
mais que da história –
que se compõe a poesia.

domingo, 30 de maio de 2010

Ela não mora mais aqui

Se amar é mudar a alma de casa,
preciso atualizar meu endereço.
Está na palma da tua mão
o que te ofereço,
já é onde pulsa meu coração.
Entregue e alheio
à minha vontade,
obedeço a teu corpo,
não mais ao meu.
Nenhuma dúvida, nem sinal
de arrependimento.
Nenhum lamento.
É a minha escolha.

sábado, 29 de maio de 2010

Apenas

Se fosse natal, aniversário
ou qualquer data pretexto;
se eu tivesse direito a três pedidos
ou a um último desejo,
ele seria uma palavra sua
com a etiqueta da verdade.

Você tem os olhares,
atitudes e movimentos perfeitos
que tanto me dizem e todos me calam.
Mas eu quero uma palavra desembrulhada,
estalada na ponta da língua
como se pronta desde sempre.

sexta-feira, 21 de maio de 2010

A oração que você me ensinou

Meu homem
que estais à espera
chamado seja o vosso nome
venha a mim o vosso reino
seja feita a minha vontade
assim na terra como no céu.
O amor seu de cada dia me dai hoje
perdoai as minhas ofensas
mesmo que eu ofenda
a quem me tem amado.
Deixei-me cair em tentação
e livrai-me do mal.
Desdém.

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Instante

Quantos instantes na vida
explodem em magia e sentido?
Quando os olhos do outro
são espelho sem distorção?
Quando a vida pode acabar
porque atingiu a plenitude
e nem o fim é capaz
de roubar-lhe a eternidade?

Eu quero ser contemporâneo
dos meus sentimentos
perpetuamente.
Sem reparos sobre o que já passou,
sem dívidas a resgatar no que virá
e este presente
mal vivido, incompetente.

Eu quero o que não tive:
intenso, melhor ou pior,
com a coragem da entrega.
Sou ao mesmo tempo – sempre o tempo! –
o abismo, a cobaia e a experiência.

segunda-feira, 17 de maio de 2010

As horas do nada

Invento perfeccionismos
para preencher as horas lentas.
Me armo de palavras solitárias
no espelho
para enfrentar a solidão.
Comemoro cada dia que passa.
Meu telefone não toca aos sábados
e domingos.
É tão difícil viver
e me convencer que amanhã será melhor.
Eu quero ar, quero um objetivo, quero um amigo.
Outras coisas, caras e gentes
que não sejam você.
De não ter, eu estou cheio.

sexta-feira, 14 de maio de 2010

Revirar

As pontas dos pés ainda não tocam o solo
enquanto desço a garganta do diabo.
Com as mãos reviro os sentimentos
até o novo caldo de sabor desconhecido,
temperado com especiarias da dor
e das descobertas.
Tomo posse das minhas perdas.
Emergirei revigorado.

quarta-feira, 12 de maio de 2010

Não, obrigado

Escrevo poemas que acabam em precipícios
Thelma & Louise acelerando o carro
e saltando no vazio.
Meus versos não estancam em muros,
minhas palavras fazem buracos na parede
e você pode ir além.
Nem tudo está escrito,
vá até o fim
e quando acabar, talvez continue.
Filmes de indefinidos finais,
sinais verdes
para a imaginação.
Leia como quiser,
não existem notas no pé da página
nem justificativa para todos os nossos atos.
Talvez haja luz demais,
talvez esteja escuro,
mas à sua frente está
o mundo.
A minha cabeça gira,
faz viagens que você não acompanha,
mas pra mim faz tanto sentido,
é tão coerente, tão claro
como o rio pro mar.
E eu ainda não desisti
de fazer você me amar.
Mas me entender, não, não precisa.

terça-feira, 11 de maio de 2010

O baile de máscaras

Poetas são carcereiros
com gordos molhos de chaves
atados à cintura.
Trancafiam em celas escuras
vulcões que cuspiriam palavras ferventes.
Mas elas saem em desfile calculado,
vestindo máscaras de ferro,
pesadas na balança de precisão,
eleitas pela acurácia dos ourives
na aferição dos quilates
ou pelos ouvidos treinados dos afinadores de piano.
Nada dos trinados anárquicos
dos pássaros pela manhã
ou dos vidros trincados pelas pedras da solidão.
Nestas masmorras sujas
de nobres e vis desejos,
quase tudo dói.
Mas os poetas em atávico desamparo
fingem blasés que apenas espremem espinhas
e tiram cravos do coração.
Onde estão meus rios de lava?

segunda-feira, 10 de maio de 2010

Incompatíveis

Nas linhas incompatíveis dos nossos corpos
viajo vago torpe torto
buscando cais. Não há.
Somos dois e assim permanecemos.
Cada um segue seu caminho
e nem pelos opostos atingimos
o mesmo lugar.
Adeus, amor, ou o que quer que seja
sonho.
Eu quis tanto, você mais ainda,
mas o campo que você tentou percorrer
é terra árida.
Eu não sou seu, eu não sou pra você.
Não deixe que eu mate o seu melhor.
Pedir perdão é incitar a fúria,
não agi quando tive a chance
de escolher outro final.

quarta-feira, 28 de abril de 2010

Neons

Neons n’água mais nada
nessa noite de asfalto molhado
meu coração sampleia
o mar de acordes,
eu nado em névoas.
Meu sonho mora e morre
na chuva na janela,
quando tudo é só uma gota.
Lágrimas minhas e suas,
mentiras nunca ficam nuas
em dias de sol.
As luas revelam o que eu quis esconder:
o mal que sua ausência me faz
é muito mais profundo e forte
do que sou capaz de derrotar.

terça-feira, 27 de abril de 2010

Cheiro de casa

Se me vir deslizando,
diga que deslizará comigo
até o mel da alma.
Abra seus braços
para que eu não repita
Ícaro ao sol.
Clareie em cores fortes
minha melancolia destilada,
meus dias, minhas noites,
minha solitude.
Ouça o que suspiro,
toque em tom maior meus sustenidos,
me conduza oitava acima.
Deite comigo no campo das flores,
deixe o beijo de seda do vento
e a luz das manhãs amenas
sobre sua pele morena.
Sorria para os lençóis brancos das nuvens
e recrie as fábulas que ouviu.
Encontro conforto em seu ombro
e tudo o que vivi
foi lavado pelo que já chorei.
Hoje, tenho brilho
e o que respiro
é o cheiro que, gentil,
você me oferece.

Carpe Diem

Minha poesia não vai mudar a minha vida.
Não vai mudar a sua vida,
não vai mudar a vida de ninguém.
Nem revolucionar a literatura
nem ser inovadora
a ponto de ser estudada
nas escolas daqui a décadas.



Minha poesia pode ser a sua história
ou o seu segredo,
pode ser o que você escreveria,
pode ser que tenha sido escrita pra você.
É o mais longe aonde pretendo chegar
e, acredite, é muito distante.


Minha poesia apenas me ajuda a viver
entre goles, fumaças,
poças de melancolia
e espasmos de ironia.
Minha poesia é rock.
E o rock ‘n’roll nunca foi mesmo sobre o futuro.

quinta-feira, 15 de abril de 2010

A barriga

Meu corpo quase todo
esguio evidencia
a barriga maiúscula sob a camisa.


A barriga denuncia
o passado.
Não apenas as cervejas,
as frituras, os doces
e os prazeres
contra a saúde.


A barriga guarda meus rancores,
ressentimentos, mágoas, ódios,
arrependimentos.


A barriga,
ela é a minha imobilidade.


E eu queria tanto ser bailarino.

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Corpo da terra

Hesito

entre o corpo da terra
e a língua do vento,
ainda não me entreguei
mas estou propenso
a fazê-lo.
Quero lamber o pêlo
banhar de leite o rosto
e o cabelo
para que a alma ganhe cor.
Nem dor eu tenho,
sou templo suspenso,
onde solidão é paz
e saudade não é mais.

 
Excito

com a chama da vela
e com a cama ao relento,
eu já tentei
mas não há consenso
entre meus deuses.
Quero vencer os medos,
lavar os becos,
revelar os segredos
para que a vida ganhe cor.
Ardor eu não tenho,
sou nascedouro sereno
de rio de pedras
no peito que se fecha.

sábado, 10 de abril de 2010

Meu mestre mandou

Doces eram os olhos da assassina,
palavras, as armas do crime.
Em seguida, o silêncio,
o abismo.
Caí no céu,
galguei o inferno.
O coração é um músculo mexicano
vertendo cada vivência
em ópera.
Escarlates veludos
desnudam o desejo.
Um beijo pode não ser a verdade
mas é o que queríamos que fosse.
O bem e o mal caminham de mão dadas,
fiz amor com ambos,
matei os dois
e caminho só.
Sou re(s)to.

quinta-feira, 8 de abril de 2010

Teria

Essa seria a noite.
Teria sido
Poderia –
embora, talvez,
não devesse –
ter sido
a noite em que
eu diria
te quero
sob a luz fria
das estrelas
e a cidade muda
em redor.

sexta-feira, 2 de abril de 2010

Cedo

Eu gosto de putas ao amanhecer,
ao final do expediente,
um beijo cansado, mas ardente.
O passo torto sobre o salto,
a roupa meio amassada
pelo vestir e despir e vestir
e insistir em recomeçar.
Com a maquiagem pouco borrada,
seu olhar indiferente vira
curioso pelo não cliente.
E nos pegamos onde há
vestígios de sexo,
resquícios de perfumes misturados,
e o hálito de cigarro, menta
e Smirnoff Ice.
Ice ice baby.

quarta-feira, 31 de março de 2010

A corda

Tem horas que eu quero
fazer justiça
com os próprios nãos.

Te negar o que eu quero,
fingir que não espero,
te largar de mão.

Te deixar com tesão
e ir embora,
te deixar na saudade.

Ultimato, xeque mate,
você contra a parede,
ou dá ou desce!




(mas, se você cair fora
do meu laço,
o que eu faço?)

domingo, 28 de março de 2010

Amanhã não existe

Eu perdi.
Tudo o que ofereci:
as vísceras expostas,
a alma nua,
o amor que nunca sentira.
Eu estive bem até aqui –
corpo inteiro, disposto,
as duas faces do rosto
prontas para os tapas.
Você viu e quis,
mas adiou ser feliz
o quanto pôde,
agendou para a vida inteira,
como se a vida estivesse
por começar sempre
na próxima primavera.
O teu amor não ganha energia,
não pede solução,
renova tua covardia.
E você, presa na própria teia,
incapaz de se ver no espelho.
Teu medo não te deixa.
Quem te roubou de si mesma?

quinta-feira, 25 de março de 2010

Façam suas canções

Façam suas apostas
sobre quem terá seus quinze
minutos de fama
sobre quem estará na cama dela essa noite
e quem acordará na lama.

Toquem os acordes
para os versos adormecidos
Dobrem os sinos
pelos amores aflitos.

Façam suas canções
com o fascínio da mentira
e a aspereza da verdade.
O segredo está no tom,
sempre dó maior.

domingo, 21 de março de 2010

Um ao outro

Trabalho encerrado. Sem mais conquistas.
Sem filhos para vivermos a vida deles.
Então ficamos nós dois.
E quando o desejo perder fôlego
teremos as viagens.
E quando não houver mais lugares,
nem disposição,
veremos os filmes
e leremos os livros,
aqueles que não tivemos tempo.
E quando os olhos cansarem
teremos os restaurantes
e os vinhos.
E teremos um ao outro.
E quando não tivermos mais
um ou outro,
ainda assim teremos as memórias.
E quando partirmos os dois
teremos o descanso.
Nunca o nada.

sexta-feira, 19 de março de 2010

Última

Esperança

quando ela põe
reticências
depois de
responder
não.

quarta-feira, 17 de março de 2010

Um drama patético

Foi pra o motel sozinho
masturbou-se
pensando nela
em seguida
telefonou aos prantos
avisando
que tomaria pílulas,
muitas pílulas, várias
misturadas
com doses sem gelo
do uísque falsificado
que havia no frigobar.
Ela sentiu-se culpada.
Aflita, correu para salvá-lo.
Mas você sabe como são esses
engarrafamentos...

terça-feira, 16 de março de 2010

Banho sujo

Tomo banho na espuma
do seu ódio,
algema que te prende a mim.
O amor é uma escolha diária – e
várias renúncias –
mas o ódio, não.
O ódio é uma gosma,
uma teia, uma cola,
areia movediça.
Veneno que se toma
na tentativa de matar o outro.
Você foi ingênua ao
esperar justiça.
Eu sou um mentiroso.

Eu quero seu nojo
e o seu desejo –
aquele bem no fundo do olho,
onde o honesto vence
o contraditório.
Eu quero a ira e o suspiro,
o seu gozo.
O que quer que seja
que não seja morno.
Eu poderia falar de flores
e manhãs de sol
e sorrisos brancos.
Mas o amor me cansa.
Prefiro esta espuma das ondas
que estouram fortes
e salgam meus olhos,
minha boca, meu corpo.
Eu gosto do sabor
desta real e divina imperfeição.

sexta-feira, 12 de março de 2010

Come share my life

Divida comigo o dia,
o pão, a cama.
A dívida, a grana.
Divida comigo a dor, a dúvida,
a certeza.
Divida comigo a alegria,
o riso, a surpresa.
Divida comigo a saudade,
a responsabilidade.
Divida a vontade,
o tédio e o medo.
Divida a rotina,
o sonho, o segredo.
Divida o sentimento,
o plano, o tempo.
Divida comigo a descoberta,
a tarefa, o prêmio.
A preocupação, o desejo,
divida a emoção.
Divida o problema,
a idéia, a solução.
Divida o crescimento,
a criação, a motivação.
Divida a esperança,
o cachorro, a criança.
Divida comigo a casa
e a estrada.

terça-feira, 9 de março de 2010

Erre

Nascer é uma agressão.
Não basta.
É preciso ir contra e além:
fazer os canivetes da chuva
furarem os olhos do sol.
Saquear as torres de marfim,
tornar o sagrado souvenir
e colecionar risadas.
É preciso ser da tempestade,
braços abertos desprotegendo
o rosto, o corpo, o beijo.
Faça!
Mate o conforto!
E fuja irresponsável e inconseqüente
pelos sigilos da noite.
Fuja da burocracia, da rotina, da rima.
Erre a mão na receita da felicidade
e desande o bolo.
Adicione ódio ao bem querer,
inverta a direção do olhar,
ignore qualquer conselho, inclusive este.
Não sirva de exemplo, de modelo ou padrão.
Desrespeite a regra e insulte seu autor.
Não poupe, não se preserve.
Descarrile seu próprio trem,
é impreciso perseguir a eterna distância
até a linha do horizonte.
E lembre-se:
só quem se despede,
permanece.

quinta-feira, 4 de março de 2010

O pedido

Acaso ou destino, eu voto consciente
pelo desatino!
Todos os beijos e os quereres
fazem sentido
quando me vejo frente a você.
Renunciar aos prazeres
é a mais assustadora das escolhas.
E também a mais covarde.
O amanhã é só um caderno
de possibilidades
onde se escreve céu ou inferno.
Eu quero ser o que arde!
Só este tem asas.
O que sinto, guardo em casas
de portas abertas
onde o amor é raridade e oferta.
O único tempo é o agora,
repito o meu presente
e te peço: não vá embora.
Não hoje, não no agora de amanhã,
não na manhã deste agora.

quarta-feira, 3 de março de 2010

O pé sobre o dorso

O ponto final é
o pé sobre o dorso
do animal abatido.
Ainda acelerada batida diz
missão cumprida!
Foi preciso quase serrar o osso,
sentir a dor do gelo sobre a raiz do nervo,
sofrer a culpa pelo erro
e o calafrio da perda,
perceber a queda de cada fio de cabelo
e sorrir sem medo, como quem é feliz.
No amor e na guerra, não há juiz.
Mas há vencedor e vencido.
Ainda ofegante, eu piso,
Você cala, eu quero bis.

segunda-feira, 1 de março de 2010

O seu amor maldito

Está escrito
meu destino maldito:
amá-la ao infinito.

Está no ínfimo
no íntimo
no público
no último
suspiro.

Está na artéria
na matéria
na carne
na pele
na palma.

Está n'alma
como vício
como fim -
nunca início.
Está em mim

inteiro
derradeiro
caminho.

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Vernissage

Eu estava sem fazer nada de meia-noite às seis e resolvi criar mais um blog, o Galeria Wirz, dedicado exclusivamente a fotos. Quem me conhece, sabe que eu me amarro em andar por aí com uma câmera a tiracolo e o olhar atento.

Sou amador. Olho, enquadro e clico. Modo automático. Raramente dou uma editada no Photoshop.

Minha mãe, super suspeita, elogia sempre. Sabe como é mãe, né?

Eu poderia usar o Flickr, ou o Picasa ou whatever. Mas achei mais prático esse blogspot, onde já edito este mar de coisa e o blog de poemas que leva o meu nome.

Então, é isso, sirva-se uma taça de prosecco, e venha. A Galeria está de portas abertas para você em http://www.galeriawirz.blogspot.com/

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Humano

Quero cortar o cordão que me prende ao passado.
Sair do meu universo umbigo,
dar dois passos para frente com as pernas firmes
antes de cair outra vez e sempre
por culpa do amor,
do meu jeito errado de ser
entregue, aberto e rasgado.
Eu quero ser bicho, organismo vivo
sem consciência da finitude,
sem culpa, pudor e religião.
Encontrar o humano em mim,
no outro e no mundo que corre ruas simples,
as muitas ruas curvas de mãos duplas.
Encontrar o semelhante além do espelho,
enxergar mais do que vejo
e amenizar a dor infinita que é viver.
Sempre dói. Nunca passa.
Qual o sentido de tudo?
Não há resposta que não seja lição.
"Estou você pra qualquer coisa. Pra vida."
Ele me disse
antes que eu desabasse.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

A obra elaborada

O pior cego é o surdo.
Sempre contra a lucidez geral
e insensível aos alertas.
A realidade deve adequar-se a sua estratégia
e as pessoas aos seus sonhos.
Desconhece a liberdade
e despreza o improviso.
Faz o seu movimento no tabuleiro
e não espera resposta:
tenta jogar pelo outro.
É um déspota!
Distorce os fatos, discorda
das vozes em bom som.
Recusa a dinâmica,
a inevitável instabilidade
de tudo que pulsa.
Mantém-se inflexível
e segue esmurrando as facas,
caprichando longamente
na construção do próprio fracasso.

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

Pode

Pede que eu atendo
Fala que eu compreendo
Segue que eu recomendo
Começa que eu emendo.

Deita, eu faço cafuné
Acorda, já passo o café
Tenta que eu boto fé
Confia que já é.

Toca a música, eu danço
Dê trabalho, não me canso
Vem aflita que estou manso
em plumas e penas de ganso.

domingo, 14 de fevereiro de 2010

Causa mortis

Todos da minha família morrem de câncer.
Eu fumo. Eu vou morrer de câncer.
Ou antes disso, atropelado.
Ou do coração.
Ou de sífilis.
Não, ninguém morre mais de sífilis.
Mas de Aids. Aids ainda mata.
(Eu uso preservativo.)
De tuberculose morriam poetas de outro século.
Neste, morre-se de overdose
de informação ou excesso de velocidade.
Pode ser que uma bala perdida
me tire a vida.
Ou o amor!
Isso, vou morrer de amor.
Amor é legal.

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Depois da lua de mel

Aqui não
Ali não
Opa, aí não
Assim não
Isso não
Agora não
Hoje não
...
Com você não.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

A trama

Narciso convidou Schopenhauer
para jantar.
Tramaram matar
o Superego de Freud.
Não conseguiram.
Mas ok, fizeram sexo.

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Monte

Ganhei uma Mont Blanc.
O que escrever, que seja
à altura da pena?
à altura do mont(e), do cume?
Casamento, testamento,
escritura,
atestado, certificado, fórmula?
Meu nome?
Seu nome?
O nome da rosa
o Eco escreveu.
Sei
que a página não pode ficar
assim, este monte
em branco.
É preciso escrever.
Uma história.
(A minha?!)
Um poema.
Uma palavra.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Neons

Neons n'água, mais nada
nessa noite de asfalto molhado.
Meu coração sampleia
o mar de acordes,
eu nado em névoas.
Meu sonho mora e morre
na chuva na janela,
quando tudo é só
uma gota.
Lágrimas minhas e suas,
mentiras nunca ficam nuas
em dias de sol.
As luas revelam o que eu quis esconder:
o mal que sua ausência me faz
é muito mais profundo e forte
do que sou capaz de derrotar.

domingo, 31 de janeiro de 2010

40 graus

Protegido pela película dos vidros
e pelas indevassáveis cortinas
me esparramo no tapete da sala,
ar condicionado no máximo.
Não há no mundo força capaz
de romper a resistência das teias
que detém qualquer movimento
dos meus músculos.
O que resta de meus alvéolos
busca preguiçosamente esse ar viciado.

Pernas pedalam na orla
camomilas douram cabelos
e sumários biquínis
sensualmente impedem
que o sol complete o seu trabalho.
O mar tempera com sal as formas
arredondadas e rijas
que convidam a matar.

O sedentário corpo
se rende à imaginação.
Não me arrisco a por os pés fora de casa
e o convite feito aos sentidos era R.S.V.P.
Meu corpo permanece estático
enquanto apenas os pensamentos gozam.
A loucura vence por W.O.

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Gols

na casa dele, o sexo
era previsível.
duas vezes na semana,
como as rodadas
do campeonato brasileiro.
e ela nem gostava
de futebol.

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

À outra

Na noite da tua partida -
coincidência -
abri um livro
que outro
dedica a você.
À outra com teu nome.
Li até acabar.
Acabou.

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Irmandade

Do núcleo
surgem tentáculos
que assumem
a forma de gotas
até a partilha.
Cada um de nós é infeliz a seu modo.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

O melhor de nós

Enquanto mato as horas da tarde na livraria,
me vem esta saudade aguda e doce.

Fomos tão anacrônicos, corajosos e ingênuos!
Fizemos o melhor de nós.
Perdemos tudo, exceto nossa história,
que as cores, os cheiros e as letras
destas páginas evocam.

Você foi quem mais me conheceu,
a única que realmente esteve ao meu lado,
admirada e temerosa da força
que até hoje não sei usar.

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Cada página

Comprei dois
exemplares do mesmo livro
para à noite lermos juntos,
embora cada qual na varanda possível
da sua casa, separados
por toda uma cidade cheia
de morros, ruas, carros e luzes.

Imagino você lendo a página quinze,
o poema poderia ser sobre nós.
Mas não é.
Nem nós sabemos
o que somos.
Sim, um verso nos une,
um verbo, uma carne.
Uma página nos une.
Se não estamos na primeira página,
tudo bem, eu não acredito
que um dia chegaremos a nossa última.

domingo, 17 de janeiro de 2010

Morto amanhã

Amanhã tenho encontro
com a morte
ao nascer do dia
de sol forte.
O fato de saber não alivia.
Não estou pronto.
A tua saída pela porta
é o início da minha corrida
pela estrada torta.
O nosso desencontro,
tua muda despedida
dá fim a minha vida.
Sei bem como aproveitar
e quero mais que tudo
minhas últimas horas.
O que não há é futuro
depois que você for embora.

sábado, 16 de janeiro de 2010

O dia perfeito

Você me aprisiona no eterno presente
da publicidade ou de um calendário estático.
O mesmo dia perfeito
se repete indefinidamente
e repele o futuro que nos pertenceria.
Vivemos da memória do hoje,
da hipótese da manhã que não chega.
Giramos num círculo de dois, giramos,
ciranda que não se move,
carrossel de vontades renovadas e irrealizadas.
Nuvem negra que o vento não sopra,
e nem deságua forte sobre nós.
Não brotam flores.
Você me mantém vivo, em suspensão
na exaustiva repetição do prazer no mesmo
dia perfeito, e da mesma
dor por um futuro rarefeito.





trilha sonora sugerida: "Perfect day", Lou Reed.

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Meus guardados

Há muita coisa em meus guardados
que, confesso, não consegui achar.
Alhos e bugalhos.
Sem a presunção elitista
do trigo sobre o joio.
À luz do olho
é tudo parte
do que não consegui viver
e tentei aprisionar.
Lembranças a espetar
cruel e repetidamente
a memória do possível
que jamais ocorreu.

Escolhas

Sou apoteose dionisíaca
e só escolhi mulheres cartesianas.

Sou apóstolo da emoção
e amei como quem compra carros.

Sou o apocalipse da castidade
e preferi ter filhas a amantes.

domingo, 10 de janeiro de 2010

Remoção

É com profunda e discreta alegria
que assisto ao teu corpo
ser guardado à terra.
Contribuí para isso.
Não tenho peso.
Ao avesso, estou leve.
Demoraste a partir,
a sair do meu caminho
como pedra.

Passou

O que foi amor
numa noite, ferido,
foi choro aflito.
Depois, foi grito,
soluço,
suspiro.
E então,
única lágrima
um pingo
uma gota
uma nota
no piano.
E passou,
como a chuva.
Um chuvisco.
Mero cisco.

sábado, 9 de janeiro de 2010

Embarque


Estacion Retiro, Buenos Aires. Foto: Leandro Wirz.


Repasso batom vermelho
espero
bato o pé
até quase quebrar o salto.
Ele não vem
mas jurou que estava tudo bem.
Ele não avisa,
está quase na hora do trem.
Deve ter tido problema no trabalho
ou trânsito,
deve ter motivo para este atraso.
A mulher dele descobriu.
Será que ele desistiu?
Eu já cantei todas as músicas
de que eu sabia as letras,
eu já contei tudo que dava para contar
desde lâmpadas na estação
até quem segura o corrimão.
Ele não vem
mas eu não perco.
Liberdade é não ter nada a perder.
Eu embarco no último vagão
depois do terceiro sinal.
A porta se fecha só para quem fica de fora.
Para mim, está sempre aberta.
Eu vou para a minha califórnia.
Ele teve sua chance,
a minha, não deixo passar.

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

O que rola

Enfim, aderi ao Twitter. Inevitável. E o que vou fazer lá? Exercitar meu poder de síntese e nos regulamentares 140 caracteres espalhar versos soltos, aforismos, frases de efeito, truísmos tortos, comentários oportunos, piadinhas, poeminhas, microcontos, e, claro, anunciar textos novos publicados aqui ou lançados no meu outro blog, o mardecoisa.blogspot.com

Então, me acompanha lá também.

Eu sou novela.

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

A novidade

As palavras, esqueci.
Lembro, era muito bonito o que escrevi.
Perdi toda a minha história.
O timão, as cartas náuticas,
a bússola, nada governando a vida.
Nem faróis ocultos detrás das brumas.
Breu.
Estou feliz. Estou com medo.
Estou feliz. E agora, o que é isso?

sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

Suspensão

Apaga a luz, abaixa o som,
eu quero mandar o mundo morrer,
que de vez em quando é bom.
Deixar correr
o rio, a lágrima, o sangue, o gozo.
Eu quero ficar parado no vento -
helicóptero, beija-flor -
contemplar meio distraído
o vôo e o pouso, solitário e livre.

Pendura a alma no cabide,
o corpo deixa no sofá.
Hoje eu não quero ser tigre
na selva de concreto,
eu não quero ver de perto,
nem provar que estou certo.
Quero ficar suspenso
no hiato atemporal do êxtase
e esquecer que carrego
mil momos nos ombros.